Folha de S.Paulo

Em carcaça de van, ex-morador de rua cria ‘quitinete’ com geladeira e fogão

Após sair da prisão, Emerson ganhou a confiança dos vizinhos e cuida de praça em SP

- MOS - Neste domingo (30) às 19h, Paróquia N. Sra. Aparecida, r. José Bonifácio, 432, Jaboticaba­l (SP) ROBERTO SANTOS PUPO - Nesta segunda (31) às 19h, Capela da PUC - SP, r. Monte Alegre, 948

“mendigo. Mas, pelos olhos da sociedade, eu sou. Sou tipo um mendigo classe média alta

Com amigos que fazia nas ruas, dormia no canto de uma praça próxima ao shopping. Aí vieram os primeiros delitos. “Uns furtinhos aqui, ali, e acabei indo parar na Febem”, diz. Os alvos eram entregador­es, depois carros, lojas, “uma pá de coisa errada”.

Condenado a quatro anos de cadeia por roubo de celular, teve direito à saída temporária no Natal em 2012. Foi quando chegou à praça onde está hoje. Decidiu duas coisas: 1) deixar a vida do crime e 2) não voltar para cumprir o resto da pena (“Jamais vou voltar com as minhas próprias pernas para a cadeia”).

Um vizinho permitiu que ele dormisse em sua Kombi abandonada, e ele instalou nela colchão e geladeira. “Deixei a casa top”, diz.

Foi pego mais uma vez, depoisdeme­sesforagid­o.Quandodeix­ouacadeiae­mnovembro de 2015, já sem dever nada à Justiça, voltou à praça. A Kombi estava lá, mas sem nenhum de seus móveis e com uma placa de “vende-se”.

Resolveu comprá-la, pagando R$ 100 por semana.

Montou de novo sua casa no veículo,atéque“o[agenteda] CET começou a embaçar na minha”, conta. Emerson entãoresol­veutrocaro­veículo(a carcaçadel­e)comum“brother que estava louco pelo carro”.

“Minha Kombi era 1979, você dava um murro e caía ferrugem. O cara vai me oferecer um carro do ano 2000? Com documento em dia? Caiu do céu”, lembra-se Emerson.

Depois, vendeu o novo carro por R$ 8.000. “Terminei de pagar minhas contas e gastei um pouquinho também, que eu não sou besta, sou filho de Deus, e fui pro rolê.”

Ficou sem ter onde morar, mas por pouco tempo: um vizinho tinha uma van do modelo Sprinter que fora roubada, depenada e abandonada.

“A van estava toda pichada, e só tinha lixo dentro, fedendo. Não tinha banco, não tinha nada, só a carcaça. Aí comeceiada­rumtalento”,explica. Assim, mobiliou mais uma vez a casa, com doações.

No novo lar, recebe visitas até da mãe, (“meu xodó”) que já desistiu de convencer Emerson a voltar para casa. Só falta agora televisão e notebook (um vizinho emprestou a senha do wi-fi).

Emerson, porém, sente saudades da Kombi. “Era mais fácil de achar minhas coisas. Aqui é grande, eu perco tudo, passo meia hora procurando”, desabafa .

Ideal mesmo seria arrumar um carro com motor. “Aí eu vou pra praia, vou bagunçar em Maresias, Riviera. Isso se eu não for pro México, pra Argentina. Onde der pra chegar dirigindo eu vou.”

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Emerson instalou de eletrodomé­sticos a água encanada na van, que considera grande
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Ele limpa a praça e não permite que outros moradores de rua durmam no espaço

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