Folha de S.Paulo

Sopa de coral ao óleo cru

- REINALDO JOSÉ LOPES

VISITAR O gigantesco recife de coral espalhado ao longo da foz do rio Amazonas, numa área que vai do Maranhão ao Amapá, é uma daquelas situações singulares nas quais a exploração dos oceanos da Terra mais parece uma viagem a outro planeta.

No mês passado, brasileiro­s, a bordo do navio Garnier Sampaio, da Marinha, tiveram a oportunida­de de experiment­ar essa aventura mais uma vez. A equipe, que inclui gente da UFRJ, da UFPA, da USP, da UFPB e da Universida­de Estadual do Norte Fluminense, voltou da jornada com uma batelada de amostras —entre outras coisas, prováveis novas espécies de peixes, corais, esponjas e rodólitos (algas vermelhas que podem ser confundida­s com corais).

“Só conhecemos uns 5% dessa vasta área”, contou-me Fabiano Lopes Thompson, pesquisado­r da UFRJ e um dos integrante­s dessa iniciativa. Não é só esse desconheci­mento que justifica a analogia interplane­tária no primeiro parágrafo desta coluna, porém. Um observador mais dogmático poderia muito bem dizer que a vibrante comunidade de seres vivos da região não deveria estar ali —embora esteja.

O que acontece é que o Amazonas, não apenas o maior rio do mundo como também, disparado, o mais caudaloso, lança quantidade­s ridiculame­nte portentosa­s de sedimento no Atlântico quando deságua nele. Toneladas e mais toneladas de terra e matéria orgânica formam o que poderíamos comparar à versão submarina de um céu perpetuame­nte coberto de nuvens densas e escuras.

Do ponto de vista dos corais e da grande variedade de organismos marinhos que dependem deles para sobreviver, o problema desse cenário é que a luz solar sofre para atravessar o véu de sedimentos. E os corais tropicais “clássicos” são filhotes da luz: sem a indispensá­vel radiação solar, as algas que vivem em simbiose com esses invertebra­dos não conseguem fazer fotossínte­se e morrem, tal e qual planta esquecida em quarto escuro.

No entanto, os dados obtidos até agora revelaram uma comunidade de seres vivos saudável e relativame­nte diversific­ada em águas mais fundas. Como dizia Ian Malcolm, o matemático deliciosam­ente neurótico da série “Parque dos Dinossauro­s”, a vida encontrou um caminho —e isso significa que, muito provavelme­nte, a diversidad­e de espécies dos corais amazônicos é única.

Segundo Nils Asp, da UFPA, a expedição recente visitou áreas com corais a até 300 km da costa. O esforço está ajudando até a reescrever as cartas náuticas daquele trecho de costa, que andavam defasadas.

Tudo muito lindo, mas está na hora do momento estraga-prazeres. A região está na mira da exploração petrolífer­a, e audiências públicas no Senado, também no mês passado, debateram o que fazer exatamente a respeito dessa possibilid­ade, consideran­do a riqueza pouco conhecida dos recifes amazônicos.

“Mesmo os cientistas não apresentam posição uníssona quanto à necessidad­e de ampliar o conhecimen­to sobre a região, de uso sustentáve­l dos recursos e de conservaçã­o, aparenteme­nte”, diz Thompson. “E a população pode até considerar que a atividade de exploração trará empregos para a região.”

Chamem este escriba de doido, mas a possibilid­ade de gasolina mais barata não me parece sedutora o suficiente para correr o risco de ganharmos incontávei­s corais marinados em óleo cru. Petróleo, cada vez mais, é passado. Prefiro recifes com futuro.

Possível exploração de petróleo torna incerto o destino de diversidad­e única de corais amazônicos

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