‘Gypsy’ traz Watts como terapeuta pervertida
POUCAS SÉRIES atuais trazem personagens com tantas camadas e cores como a Jean Holloway de Naomi Watts em “Gypsy”, um dos muitos dramas que a Netflix estreou neste mês. Pena que a tarefa de desvendá-las seja tão modorrenta, com o ritmo arrastado da diretora novata Lisa Rubin prevalecendo sobre a atração exercida pela protagonista.
O drama, em dez episódios de 50 minutos já disponíveis na plataforma de streaming, acompanha a estranha relação da psicoterapeuta Jean com seus pacientes, adotando um formato que, à primeira vista, lembra “In Treatment”, com Gabriel Byrne, e a versão brasileira “Sessão de Terapia” (com Zécarlos Machado), ambas excelentes.
Logo, porém, fica claro que as vidas dos pacientes, ao contrário das séries anteriores, pouco importarão para o espectador. “Gypsy” trata de Jean e suas obsessões, neuroses e perversões pessoais e profissionais.
Drama psicológico que reverencia Lynch se perde em ritmo arrastado, apesar de personagem fascinante
Watts foi catapultada ao estrelato por “Cidade dos Sonhos”, uma das grandes obras de David Lynch.
De certa forma, sua personagem aqui evoca a do filme de suspense de 2001 —não por acaso seu alter ego da série se chama Diane, mesmo nome da personagem de Lynch; parece também haver uma predileção dos diretores por colocar a loirinha com cara de moça recatada em cenas de masturbação e sexo com outras mulheres.
O resultado obtido, entretanto, fica muito aquém. Watts sempre foi uma atriz superestimada, e a comparação com Nicole Kidman, evocada por muitos, só a diminui, sobretudo depois da interpretação estarrecedora da australiana na recente “Big Little Lies” (HBO).
É preciso um diretor mais habilidoso que a imatura Rubin para tirar dela o efeito desejado. Billy Crudup, no papel do marido alienado, também parece só uma sombra do ator vibrante de “Quase Famosos” (2000).
A atmosfera constantemente etérea na série, mais uma aparente reverência a Lynch, que exibe na mesma plataforma a continuação extemporânea de sua “Twin Peaks”, se perde e cansa. O ritmo arrastado não se justifica, e sua insistência se torna apenas um capricho —no pior sentido da palavra— estético.
Ainda assim, o argumento é capaz de fisgar o espectador mais afeito a mergulhos psicológicos e, se a paciência não se esgotar antes, oferecer alguma recompensa.
A fragilidade de Jean está no interesse demasiado que sente pelos outros, algo difícil de compreender em tempos de egocentrismo sem limites como os atuais. É interessante segui-la em sua derrocada, comprimida pela vida alheia enquanto sua personalidade se dissipa.
O imenso e crescente catálogo da Netflix tem baixado a qualidade média das produções da empresa, embora seja louvável a disposição de apostar em diretores novos e temas ousados, às vezes insondáveis.
O serviço acaba de superar a mar- ca de 100 milhões de assinantes no mundo, mas parece que esses não são suficientes para bater a meta de receita. Como “Gypsy” deixa claro, há muita publicidade à venda na Netflix, com merchandising tão deslavado na série que chega a constranger o espectador mais cínico. “GYPSY”