Guerra civil ponto com
Internet potencializa nova onda de conflitos
tas e ainda inexploradas”.
Hoje, de acordo com Walter, as guerras civis são disputadas majoritariamente em países muçulmanos (cerca de 65% delas, contra 40% de 1989 a 2003), a maioria dos grupos rebeldes defende leituras radicais do islamismo (antes, facções se organizavam em torno de etnias ou razões socioeconômicas) e quase todos perseguem objetivos transnacionais, e não locais.
Embora a tecnologia ofereça oportunidades a todos os atores políticos —cidadãos, grupos rebeldes, milícias radicais, organizações civis, governos, países estrangeiros—, é no contexto de turbulência social que seus efeitos se mostrammaisimprevisíveis.Como diz Walter, ainda não há muitos estudos sobre a revolução que as novas ferramentas de comunicação podem provocar nas guerras civis. MANUAL Isso não significa que o tema tenha sido sumariamente ignorado. Na mais recente versão do manual de contraguerrilha do Exército e do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA (obra conjunta), de 2006, o general do Exército David Petraeus incluiu uma análise sobre as redes sociais e sua importância para os grupos insurgentes.
A versão anterior de um manual do tipo havia sido publicada 20 anos antes pelo Exército e 25 pelos Marines. Um atraso curioso, pois os fuzileiros navais foram pioneiros no combate das chamadas “small wars” (do espanhol “guerilla”, ou pequenas guerras).
Os marines, até a Segunda Guerra (1939-45), passavam boa parte do tempo lutando contra nativos em vários continentes, com ênfase na América Central e no Caribe.
Um livro divertido —e politicamente incorreto hoje— é o clássico “Small Wars – Their Principles and Practice” (guerrilhas, princípios e prática),docoronelbritânicoCharles Edward Callwell, publicado em 1899, mas com a melhor edição, revista e ampliada, datando de 1906.
“Pequenas guerras incluem a guerra de ‘partisans’, que geralmente surge quando soldados treinados são empregados para lidar com a sedição e insurreições em países civilizados; elas incluem campanhas de conquista, quando uma grande potência adiciona o território de tribos bárbaras às suas possessões; e incluem expedições punitivas contra tribos na fronteira de colônias distantes”, escreveu o coronel, que depois do livro chegaria a general.
Petraeus teve bons professores. No prefácio do novo manual (“The U.S. Army and Marine Corps CounterinsurgencyFieldManual”,omanualdecontraguerrilhadoExército e do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA),emparceriacomJamesAmos, general fuzileiro naval, escreveu:
“Este manual toma um enfoque geral para as operações contra insurgências. O Exército e Corpo de Fuzileiros Navais reconhecem que cada insurgência é contextual e apresenta seu próprio conjunto de desafios. Você não pode lutar contra ex-partidários de Saddam [Hussein] e extremistas islâmicos do mesmo modo que teria lutado contra o Viet Cong, os Moros ou os Tupamaros [guerrilhas do Vietnã, das Filipinas e do Uruguai, respectivamente].”
O livro tem instruções sensatas e que podem parecer óbvias, mas não para instituições conservadoras, que mudam lentamente, como as Forças Armadas.
Videadistinçãoentrepráticasde sucesso e outras malsucedidas. É bom“enfatizarainteligência”,“colocarofoconapopulação,nassuas necessidades e na segurança” ou “ampliaraáreasegura”.Nãoébom “enfatizar [...] a morte e a captura do inimigo, em vez de prestar segurança e lidar com a população”.
Isso traz um eco de Vietnã, de “contagemdecorpos”(ruim)oude ganhar“coraçõesementes”(bom)? Exato. Mas a segunda estratégia foi implantada tarde demais. O país e sua população tinham sido devastados por bombardeiros e pela artilharia —as duas armas mais letais e as menos indicadas na contrainsurgência. Bombas e granadas não ganham nem corações nem mentes; elas os explodem. INTERNET Se essa distinção remetia ao passado, o trecho sobre redes sociais olhava para o futuro, hojepresente.“Paraumainsurgência, uma rede social não é apenas uma descrição de quem é quem na organização. É um retrato da população, de como ela é composta e de comoseusmembrosinteragemuns com os outros”, diz o manual.
O melhor título de um livro sobre o tema é “Learning to Eat Soup with a Knife: Counterinsurgency Lessons from Malaya, Vietnam, and Iraq” (aprendendo a tomar sopa com faca: lições de contrainsurgência da Malásia, do Vietnã e do Iraque), escrito pelo tenentecoronel americano John Nagl.
Ele mostra como a capacidade de aprender algo novo e improvisar fez os britânicos terem sucesso na Malásia, enquanto a incapacidade correspondente levou os americanos a fracassar no Vietnã. Na era das redes sociais, o aprendizado pelas Forças Armadas, pela polícia e pelas autoridades que lidam com insurreições e atentados terroristas tem que ser cada vez mais rápido; as organizações do Estado devem aprender depressa como tomar sopa com faca.
As orientações poderiam soar fora de moda no quadro da década de 1990. O número de guerras civis e guerrilhas tinha diminuído com o término da Guerra Fria e o fim dos seus conflitos “quentes” entre União Soviética e EUA —as guerras por procuração, ou seja, por intermediários, sem envolvimento direto das grandes potências.
Noséculo21,porém,apragavoltou a se alastrar. Em países como o antigoZaire(hojeRepúblicaDemocráticadoCongo),aLíbia,oIêmen, Ruanda, Somália, Sudão, Mali, Sri LankaeatémesmonaUcrânia,proliferaram os combates, em geral alimentadospelasverdadeiras“armas de destruição de massa”: fuzis da antiga União Soviética (AK-47, AKM e AK-74) e as armas portáteis antitanqueRPG(“granadaspropulsadas por foguete”).
Ou os mais de 50 mil tanques produzidosnolesteeuropeuoutrora comunista. Em muitos países, essas armas são mais disseminadas que a Coca-Cola.
Mas não são apenas as armas. Essas guerras se tornam mais intensas por causa da internet e da disseminação em massa de celulares e computadores baratos. Nas democracias, redes sociais facilitam a organização de protestos. É só convidar e se conectar aos demais manifestantes.
Ocorre que a tendência também vale para o agrupamento numa guerra civil e para arregimentação por parte de grupos terroristas.
Pesquisa publicada na revista científica americana “Science” mostrou algo surpreendente. O Estado Islâmico pode ter uma visão medieval sobre o lugar das mulheres na sociedade, mas a presença do grupo em redes sociais mostra que o papel das mulheres é crucial no recrutamento e na máquina de propaganda. Existem mais homens envolvidos nos ataques terroristas, mas são as mulheres queconstituemacolaoperacional.
As redes sociais também facilitam o financiamento dos insurgentes. Não falta gente disposta a apoiar um grupo rebelde do Sudão ou da Libéria —pelo charme da coisa, por convicção ou só para gastar o dinheiro do papai rico.
E, como a internet é global, o terror, a guerrilha ou a insurgência também podem agir globalmente; o 11 de Setembro de 2001 só iniciou a moda.
Guerrilha e redes sociais viraram tema de pesquisa acadêmica. Além da já citada Barbara F. Walter, é o que estuda Elisabeth Jean Wood, professora de ciência política de Yale. Ela conduziu levantamentos em El Salvador, Peru, Sri Lanka e Serra Leoa. “Esses processos reconfiguram redes sociais de diversas maneiras, criando redes, dissolvendo algumas e mudando a estrutura de outras”, concluiu.
Até em um país pobre —e o mais novo do planeta—, como o Sudão do Sul, as mídias sociais incitam conflitos e são facilmente acessíveis: três em cada quatro jovens têm acesso a Facebook, Twitter e WhatsApp, e cerca de 60% deles usaram as redes para incitar ódio contra supostos “inimigos” —isto é, gente de outras etnias.
Mesmo na supostamente mais civilizada Europa, as redes disseminaram ódio. Foi o que se viu na Ucrânia, onde conflitos iniciados em2014deixaramdezenasdemortos.Acarnificinatambémapareceu aovivoeacoresnastelasdecelulares e computadores.
Como sabe todo brasileiro que acompanha a crise política atual, não faltam boatos e mentiras, desinformação e ódio ideológico, especialmente nas redes sociais. O mundo está repleto de “coxinhas” e “mortadelas”.