Sem esperança, não há democracia
O avanço reacionário no Brasil tem um travo mais amargo que se expressa sobretudo no desrespeito à soberania popular
Em uma recente roda de conversa da qual participei no Centro Ruth Cardoso, em São Paulo, Marcelo Ridente nos fez a todos constatar que, pela primeira vez desde o final dos anos 1970, olhávamos com pessimismo para o futuro do Brasil.
Tentei me consolar da triste realidade refletindo sobre o caráter internacional da crise que vivemos, mas logo me lembrei de que o pessimismo à brasileira estava fundado em algo mais do que o sentido reacionário dos eventos sociais que estão na base da onda conservadora que assola o mundo.
O avanço reacionário no Brasil tem um travo mais amargo. Ele vem junto com a nostalgia de um ordenamento estamental de sociedade, inscrito sobretudo no desrespeito à soberania popular.
Um desrespeito naturalizado na velha formulação de que o povo não sabe votar, o que torna possível aprovar, sem qualquer constrangimento, um programa de reformas, em muitos aspectos inconstitucional e contrário a direitos humanos fundamentais dos quais o Brasil é signatário, derrotado nas urnas.
O avanço reacionário no Brasil está inscrito também, e principalmente, na dificuldade de nosso Judiciário, quase todo recrutado nas classes médias e altas tradicionais, em julgar de forma imparcial integrantes de seu grupo racial e social.
Nossas instituições jurídicas, ainda que funcionando livremente, não foram capazes de impedir o golpe parlamentar de 2016, perpetrado por congressistas quase todos acusados da prática de atos ilícitos.
Representantes das mais diferentes instâncias do Judiciário brasileiro podem condenar, sem provas concretas e a penas exorbitantes, jovens negros que ousam sair às ruas em manifestações políticas ou ex-operários que ousaram ser presidente da República e tirar o Brasil do mapa da fome.
No entanto, mantêm livres e exercendo mandato parlamentar, com base em noções aristocráticas de reputação e honra, senadores de famílias de elite denunciados pelo Ministério Público por corrupção passiva e obstrução à Justiça.
Golpes parlamentares podem derrubar presidentes de forma ilegítima; a Justiça pode legalmente produzir injustiças, mas nada é mais grave do que a perda de confiança nas instituições democráticas. Alguém ainda espera que o Congresso vá autorizar a investigação das gravíssimas denúncias contra Michel Temer? Sem esperança, não há democracia.
Desde a primeira eleição de Lula, em 2002, tem havido comparações de seu papel histórico no Brasil ao de Abraham Lincoln nos Estados Unidos.
Pode-se dizer, no mínimo, que a emergência política de ambos foi consequência das chamadas revoluções de mercado, ocorridas nos dois países nas décadas que precederam seus governos.
Lincoln e Lula buscaram aprofundar o que percebiam ser frutos positivos da generalização da economia de mercado, mas também tentaram democratizar os seus efeitos.
Lincoln nunca foi um abolicionista radical, Lula tampouco um socialista, como sempre registraram seus críticos à esquerda. Mas as sociedades estamentais que eles desafiaram não os puderam perdoar.
Como a velha elite sulista derrotada nos EUA, os golpistas brasileiros estão à procura de seu John Wilkes Booth. O medo às vezes mata a esperança. Sergio Moro se apresenta para o papel, trocando a pistola pela toga. HEBE MATTOS
O até então excelente Luiz Felipe Pondé mostra agora que está mesmo cansado de escrever (“Descolados e bacanas: uma tipologia”, “Ilustrada”, 31/7). Além de escolher um assunto tolo, colocou-se como se fosse um ser superior ao fazer sua adolescente narrativa. Lembra as redações da terceira série ginasial. Melhoras, Pondé, é o que lhe desejo.
TABAJARA NOVAZZI
LEIA MAIS CARTAS NO SITE DA FOLHA - SERVIÇOS DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE: OMBUDSMAN: Parque tecnológico Sobre “Promessa de Alckmin de 2002, ‘Vale do Silício’ de São Paulo fica às moscas” (“Cotidiano”, 29/7), o Parque Tecnológico de São Paulo é um centro de incentivo à inovação e atração de investimentos. Instalada no local, a Secretaria de Desenvolvimento economiza R$ 10 milhões por ano em aluguel. O espaço é utilizado para palestras e atividades da Univesp, InvestSP e parte da Junta Comercial. Uma incubadora já está no parque e outra se instalará no futuro. Afirmar que o parque está às moscas não é verdadeiro nem condiz com as atividades e seriedade do parque e de seus servidores.
CLÓVIS VASCONCELLOS,