Folha de S.Paulo

Sem esperança, não há democracia

O avanço reacionári­o no Brasil tem um travo mais amargo que se expressa sobretudo no desrespeit­o à soberania popular

- HEBE MATTOS saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Em uma recente roda de conversa da qual participei no Centro Ruth Cardoso, em São Paulo, Marcelo Ridente nos fez a todos constatar que, pela primeira vez desde o final dos anos 1970, olhávamos com pessimismo para o futuro do Brasil.

Tentei me consolar da triste realidade refletindo sobre o caráter internacio­nal da crise que vivemos, mas logo me lembrei de que o pessimismo à brasileira estava fundado em algo mais do que o sentido reacionári­o dos eventos sociais que estão na base da onda conservado­ra que assola o mundo.

O avanço reacionári­o no Brasil tem um travo mais amargo. Ele vem junto com a nostalgia de um ordenament­o estamental de sociedade, inscrito sobretudo no desrespeit­o à soberania popular.

Um desrespeit­o naturaliza­do na velha formulação de que o povo não sabe votar, o que torna possível aprovar, sem qualquer constrangi­mento, um programa de reformas, em muitos aspectos inconstitu­cional e contrário a direitos humanos fundamenta­is dos quais o Brasil é signatário, derrotado nas urnas.

O avanço reacionári­o no Brasil está inscrito também, e principalm­ente, na dificuldad­e de nosso Judiciário, quase todo recrutado nas classes médias e altas tradiciona­is, em julgar de forma imparcial integrante­s de seu grupo racial e social.

Nossas instituiçõ­es jurídicas, ainda que funcionand­o livremente, não foram capazes de impedir o golpe parlamenta­r de 2016, perpetrado por congressis­tas quase todos acusados da prática de atos ilícitos.

Representa­ntes das mais diferentes instâncias do Judiciário brasileiro podem condenar, sem provas concretas e a penas exorbitant­es, jovens negros que ousam sair às ruas em manifestaç­ões políticas ou ex-operários que ousaram ser presidente da República e tirar o Brasil do mapa da fome.

No entanto, mantêm livres e exercendo mandato parlamenta­r, com base em noções aristocrát­icas de reputação e honra, senadores de famílias de elite denunciado­s pelo Ministério Público por corrupção passiva e obstrução à Justiça.

Golpes parlamenta­res podem derrubar presidente­s de forma ilegítima; a Justiça pode legalmente produzir injustiças, mas nada é mais grave do que a perda de confiança nas instituiçõ­es democrátic­as. Alguém ainda espera que o Congresso vá autorizar a investigaç­ão das gravíssima­s denúncias contra Michel Temer? Sem esperança, não há democracia.

Desde a primeira eleição de Lula, em 2002, tem havido comparaçõe­s de seu papel histórico no Brasil ao de Abraham Lincoln nos Estados Unidos.

Pode-se dizer, no mínimo, que a emergência política de ambos foi consequênc­ia das chamadas revoluções de mercado, ocorridas nos dois países nas décadas que precederam seus governos.

Lincoln e Lula buscaram aprofundar o que percebiam ser frutos positivos da generaliza­ção da economia de mercado, mas também tentaram democratiz­ar os seus efeitos.

Lincoln nunca foi um abolicioni­sta radical, Lula tampouco um socialista, como sempre registrara­m seus críticos à esquerda. Mas as sociedades estamentai­s que eles desafiaram não os puderam perdoar.

Como a velha elite sulista derrotada nos EUA, os golpistas brasileiro­s estão à procura de seu John Wilkes Booth. O medo às vezes mata a esperança. Sergio Moro se apresenta para o papel, trocando a pistola pela toga. HEBE MATTOS

O até então excelente Luiz Felipe Pondé mostra agora que está mesmo cansado de escrever (“Descolados e bacanas: uma tipologia”, “Ilustrada”, 31/7). Além de escolher um assunto tolo, colocou-se como se fosse um ser superior ao fazer sua adolescent­e narrativa. Lembra as redações da terceira série ginasial. Melhoras, Pondé, é o que lhe desejo.

TABAJARA NOVAZZI

LEIA MAIS CARTAS NO SITE DA FOLHA - SERVIÇOS DE ATENDIMENT­O AO ASSINANTE: OMBUDSMAN: Parque tecnológic­o Sobre “Promessa de Alckmin de 2002, ‘Vale do Silício’ de São Paulo fica às moscas” (“Cotidiano”, 29/7), o Parque Tecnológic­o de São Paulo é um centro de incentivo à inovação e atração de investimen­tos. Instalada no local, a Secretaria de Desenvolvi­mento economiza R$ 10 milhões por ano em aluguel. O espaço é utilizado para palestras e atividades da Univesp, InvestSP e parte da Junta Comercial. Uma incubadora já está no parque e outra se instalará no futuro. Afirmar que o parque está às moscas não é verdadeiro nem condiz com as atividades e seriedade do parque e de seus servidores.

CLÓVIS VASCONCELL­OS,

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil