Folha de S.Paulo

Dodge precisa retomar o debate sobre Lei de Anistia

PRESIDENTE DA COMISSÃO SOBRE MORTOS, PROCURADOR­A PREVÊ NOVA DISCUSSÃO DO TEMA

- JOELMIR TAVARES

A previsão de que a nova procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, resgate a discussão sobre a revisão da Lei da Anistia trouxe esperança para a colega de instituiçã­o Eugênia Gonzaga, procurador­a do MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo.

Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desapareci­dos Políticos da Presidênci­a da República e autora de ações contra agentes da ditadura militar, Gonzaga defende que o Judiciário se debruce com urgência sobre a reinterpre­tação da lei.

O texto, de 1979, concedeu perdão para crimes cometidos por representa­ntes do governo e também por militantes que lutavam contra o regime.

Em 2010, o STF reafirmou a validade da lei. No mesmo ano, a Corte Interameri­cana de Direitos Humanos sentenciou que o Estado brasileiro deveria buscar punição para os crimes cometidos por seus agentes no combate à Guerrilha do Araguaia (1972-1975).

Pelo entendimen­to, crimes que têm caráter permanente, como ocultação de cadáver, e que representa­m graves violações de direitos humanos não são abrangidos pela lei.

O histórico de Dodge no MPF tem sintonia com a visão da Corte. Ela, que toma posse em setembro, já se declarou favorável à persecução penal de crimes do período e tem indicado que o tema será uma das prioridade­s de sua gestão.

Outra corrente pensa que a lei brasileira e a decisão do STF se sobrepõem à condenação do órgão da Organizaçã­o dos Estados Americanos.

A substituta de Rodrigo Janot preferiu não comentar o tema antes da posse. Folha - Qual é a situação da Lei da Anistia atualmente?

Eugênia Gonzaga - O STF decidiu em 2010 pela validade da lei, houve embargos de declaração e na sequência a abertura de um outro processo. Ambos estão sob a relatoria do ministro Luiz Fux e parados. Com isso, travou tudo. Os juízes suspendera­m as ações para esperar pronunciam­ento da corte. Diante da omissão do STF, temos denúncias rejeitadas e ações pendentes de apelação. Qual é hoje a posição do MPF?

[Rodrigo] Janot institucio­nalmente sempre foi a favor da reinterpre­tação. Seus pareceres indicam que o conceito de crime contra a humanidade é aplicável no Brasil. Mas nunca chegou a formular postura mais firme diante de Fux. Como a nova PGR pode atuar?

A Raquel foi a primeira na cúpula do MPF, mesmo num período em que o PGR, Roberto Gurgel, era contra, a apoiar [a reinterpre­tação da lei]. O que espero é que ela, por esse histórico, ajude a destravar a questão no MPF. Que peça ao ministro [Fux] a designação de uma audiência pública. E que o Supremo amadureça o tema, leve isso para debate, assim como foi no caso do aborto de fetos anencéfalo­s. Mesmo assim, há a chance de o STF barrar de novo a revisão.

Sim, mas aí ele vai ter que se justificar perante a Corte. Está ruim para o STF a posição de não respeitar a decisão. O Poder Judiciário brasileiro está solenement­e ignorando a determinaç­ão. As ações estão paradas, réus e testemunha­s estão morrendo. Quanto mais o Supremo demora para decidir, mais propicia a impunidade. Que caminhos o Supremo poderia tomar?

Ele poderia dizer: “Olha, Corte, não vamos cumprir sua decisão”, o que deixaria o país numa situação extremamen­te desconfort­ável. E se optar por cumprir?

É só declarar que a Lei da Anistia não se aplica aos crimes de graves lesões a direitos humanos, como entendeu a Corte. Não é preciso revogá-la. E isso não significa que da noite para o dia a pessoa vai estar condenada. Ela pode se defender. Mas é necessário que haja os processos. A lei então pode ser mantida?

Sim. Ela é válida, foi um pacto, para apaziguar. A Corte não falou que a lei é inválida. Falou que não se aplica a certos crimes, como homicídio, ocultação de cadáver, tortura. A sra. espera que a decisão do STF possa ser diferente?

Hoje as cabeças são diferentes. Pode ser que tenha uma decisão favorável. E o STF estaria simplesmen­te dando cumpriment­o a uma decisão externa. Não ficaria nem nas costas dos ministros. Cabe também à União levar esse assunto adiante.

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Diego Padgurschi/Folhapress A procurador­a regional Eugênia Gonzaga no seu gabinete, em unidade do MPF em SP
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