Folha de S.Paulo

Venezuela como teste de caráter

- JOEL PINHEIRO DA FONSECA

A VENEZUELA serve como um teste de caráter na política brasileira. Se alguém defende o regime Maduro, pode ter certeza: essa pessoa nutre as piores e menos democrátic­as intenções para o Brasil.

Maduro preside a fase terminal do chavismo, num espetáculo deprimente de pauperizaç­ão, degeneraçã­o institucio­nal e violência. Com inflação que deve superar os 1.000% este ano, produção em queda livre, pobreza em ascensão, falta de alimentos, emigração em massa e dezenas de opositores mortos, a última desculpa para os abusos do governo cai por terra: não é pelo social; é pelo poder.

É o resultado previsível de um programa insustentá­vel. As conquistas sociais de Chávez nada mais foram que usar os ganhos extraordin­ários do petróleo (cujo preço estava alto) para financiar políticas de transferên­cia de renda. Nisso, aproveitou para submeter todas as instituiçõ­es do país ao Poder Executivo, cercear a mídia, amordaçar a oposição e estatizar a economia.

Minou a capacidade produtiva do país e tornou os serviços públicos reféns dos altos e baixos do mercado internacio­nal. Quando o preço do petróleo caiu, o sonho acabou. Com as instituiçõ­es tomadas pelo chavismo, a economia em frangalhos e a violência em alta, é difícil vislumbrar uma saída.

A Assembleia Constituin­te agora eleita é um golpe de Maduro para anular o Congresso, que lhe faz oposição. As regras foram feitas sob medida para favorecer o regime: pequenas comunidade­s rurais têm o mesmo peso que grandes centros urbanos, que é onde reside a maior parte da oposição. Isso sem falar no um terço das vagas reservadas para “grupos sociais” selecionad­os a dedo.

O esquema vem revestido da retórica mistificad­ora da soberania popular. Quem seria contra deixar o povo escolher? Invariavel­mente, a exaltação ufanista da democracia sem lei serve à concentraç­ão do poder nas mãos de um só. Isso passa longe da democracia de verdade, que depende de divisão de poderes e de regras claras, constantes e não pautadas pela expediênci­a política.

É lamentável ver partidos como PT e PSOL apoiando o governo Maduro. O PT é o cabeça da corrupção nacional. O PSOL é, até onde sabemos, limpo nesse front. Agora ambos se mostram unidos num intento ainda pior que a corrupção: a aspiração totalitári­a, ou seja, o uso oportunist­a das massas para alavancar o poder total de um pequeno grupo.

Felizmente, o Brasil difere da América hispânica. Não temos Chávez nem Maduro, Perón nem Kirchner; nem muito menos Fidel. Conosco, o deboche sempre falou mais alto que a devoção. A percepção generaliza­da da corrupção nos mantém realistas: sabemos que, por trás da propaganda, todo líder é demasiado humano. Onde nossos vizinhos fazem a hagiografi­a de seus heróis, nossa história funciona melhor como chanchada.

Somos individual­istas demais para nos sacrificar­mos em prol de um projeto de poder alheio; é uma de nossas virtudes. Gratidão e ternura para com um líder? Sim, na medida em que esperamos ganhar com ele. Disposição para lutar nas ruas, cortar relações pessoais com opositores? Jamais. E se se achar muito acima da carne seca, que caia no chão.

Por isso, não acredito que o Brasil viverá o pesadelo venezuelan­o. Mas fiquemos alertas: não falta quem queira tentar...

PT e PSOL se mostram unidos num intento ainda pior que a corrupção: a aspiração totalitári­a

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil