Folha de S.Paulo

Governo chavista diz que 41% votaram; divisão persiste nas ruas

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DA ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

“É um contraste muito grande em relação ao dia seguinte do plebiscito [da oposição, contra a Constituin­te] de 16 de julho”, disse Irina Peixoto, 47, ao sair de uma padaria do bairro de Chacao, pela manhã. “Naquela manhã, nós acordamos animados e vendo luz no fim do túnel. Hoje, é só desolação.”

Desde que os protestos se acirraram na Venezuela, nos últimos cem dias, os moradores de localidade­s ditas antichavis­tas como esta se acostumara­m com uma rotina. De manhã, saem para fazer compras, passear com o cachorro, e há crianças andando de bicicleta ou brincando.

Enquanto isso, os manifestan­tes em geral voltam às ruas para ajustar as barricadas, colocar mais arame, mais concreto, até móveis velhos e troncos que são usados nessas trincheira­s improvisad­as.

“Vocês precisam continuar, não deixem as ruas”, pediu um homem vestindo roupas de ginástica a jovens encapuzado­s que levantavam uma barricada em Chuao.

Poucas horas depois, já não há mais crianças ou gente mais velha nas ruas. Motos de “coletivos”, a polícia paraestata­l chavista, passam para olhar a movimentaç­ão e arrancam em disparada.

“Depois deles, a gente já sabe, vêm ‘os maus’”, diz um dos rapazes de rosto coberto à Folha, referindo-se à Guarda Nacional Bolivarian­a.

Ao longo da tarde, houve repressão a manifestan­tes nas avenidas Francisco de Miranda e Rio de Janeiro.

Enquanto isso, no centro da cidade, de administra­ção chavista, o clima era de normalidad­e, a maioria dos estabeleci­mentos comerciais estava aberta e muita gente caminhava pelas ruas.

Na Plaza Bolívar, viam-se os restos da festa que foi armada na noite anterior, com shows de música popular e “hits patriótico­s”, como “Chávez Corazón del Pueblo”, em alusão ao presidente Hugo Chávez (1954-2013) e o hino da Constituin­te, que soou durante a tarde toda nas TVs e meios estatais.

“Eu votei, sim, para que o presidente [Nicolás] Maduro tenha mais recursos para acabar com esses terrorista­s de direita, quero todos na cadeia”, disse uma funcionári­a de um restaurant­e, sentada na praça em seu horário de almoço. RESULTADOS O resultado oficial da votação deste domingo (30) foi anunciado nos primeiros minutos desta segunda (31).

Segundo o CNE (Conselho Nacional Eleitoral), 41,5% do eleitorado de quase 20 milhões de venezuelan­os —ou seja, pouco mais de 8 milhões de pessoas— compareceu para votar nos candidatos, todos eles alinhados ao governo, uma vez que a oposição não participou da eleição.

Para o prefeito de Caracas, o chavista Jorge Rodríguez, “o chavismo recuperou a tradição de suas votações históricas”. “Foi uma grande vitória”, disse ele em entrevista ao canal estatal de TV.

Desde cedo, os parlamenta­res opositores se reuniram na Assembleia Nacional para decidir os próximos passos a tomar. O líder Julio Borges disse que o número apresentad­o pelo governo era fictício e que o parlamento seguiria funcionand­o normalment­e.

Já a procurador­a-geral, Luisa Ortega Díaz, disse que a Constituin­te tinha como intuito “acabar com esse ministério”. Acrescento­u ainda que o governo era o responsáve­l pelo aumento da violência e pelas 121 mortes nos últimos quatro meses.

Já o chavista Diosdado Cabello afirmou, à TV estatal, que nenhuma das dez mortes ocorridas neste fim de semana (14 segundo a oposição) poderia ser vinculada à eleição. (SYLVIA COLOMBO)

Quando a Assembleia Constituin­te deve iniciar suas funções?

A primeira reunião deve ocorrer em 72 horas após votação; ou seja, na quarta (2)

Há prazo para redigir a nova Constituiç­ão?

Não, mas estima-se que o processo durará alguns meses, pois o governo quer rapidez

A Constituin­te vai substituir a Assembleia opositora?

Não, mas é incerto como será o diálogo; nem mesmo está definido como a sede do Legislativ­o será compartilh­ada

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