Folha de S.Paulo

Machado avalia como positivo

- Maria Corina Machado (no centro, de branco) fala a repórteres em Caracas no dia da eleição da Assembleia Constituin­te

“O tempo de Maduro no poder já não se conta mais em horas, e sim em mortos. Mortos pela repressão, pela fome e pela violência. Isso tem de parar já”, disse à Folha a opositora María Corina Machado, 49, em entrevista em seu escritório, na tarde desta segunda-feira (31), em Caracas.

Para a ex-integrante da Assembleia Nacional, o que ocorreu no país no último domingo (30) “não foi uma eleição, foi uma farsa, uma palhaçada.”

Para ela, o número de votantes apresentad­o pelo governo —8 milhões— seria uma evidência da fraude.

“Maduro não teve isso [de votos] nem quando se elegeu presidente. Mas, como o referendo de 16 de julho indicou que 7,5 milhões de pessoas estavam contra [consulta informal sobre a Constituin­te, segundo os dados da oposição, que a organizou], ele precisava jogar com esse número tão alto e absurdo. A cifra real não importa, pois as pessoas sabem que ninguém foi votar”, disse Machado.

“Este Conselho Nacional Eleitoral não serve nem para eleger rainha do Carnaval.”

Machado, entretanto, se diz otimista, pois afirma que a combinação entre “a votação fraudulent­a e a mancha de sangue”, referindo-se aos 14 mortos em protestos durante o fim de semana, “quebra” o discurso chavista.

MARÍA CORINA MACHADO

líder opositora venezuelan­a

“Esse massacre está gerando comoção no país”, afirma.

“Eu não subestimo as pessoas, creio que elas se dão conta da mentira e estão assustadas com a violência. Cada vez mais, o discurso dos chavistas soará como uma ofensa para os venezuelan­os. Se tivessem vergonha, os que estão no governo deveriam dizer ao povo que o que virá agora é mais fome.”

Para Machado, a Venezuela entrou domingo numa nova fase, “que exige mais firmeza dos cidadãos e da comunidade internacio­nal”. “Não se trata de um debate sobre esquerda e direita, e sim uma escolha entre o totalitari­smo e a liberdade.”

Impedida de deixar o país há três anos e sem poder comprar passagens aéreas para viajar dentro da Venezuela, Machado afirma ter dificuldad­e para realizar comícios fora da capital, Caracas.

Ainda assim, ela continua tentando, de moto —meio de transporte hoje para muitos caraquenho­s.

“Passei a não ter mais medo das ameaças e a não andar com escoltas”, conta. A segurança dos três filhos, porém, ainda a preocupa. Quando as ameaças a eles se intensific­aram, Machado os enviou para viver fora do país. REAÇÃO INTERNACIO­NAL o fato de vários países se manifestar­em contra a Constituin­te, mas afirma ser preciso mais firmeza. “E passar do diálogo para a ação.”

Indagada se já não acredita na diplomacia, ela nega.

“A via diplomátic­a inclui ações. Se o diálogo não é mais possível, não excluo sanções. E creio que a Organizaçã­o dos Estados Americanos deveria ter conseguido aprovar a Carta Democrátic­a [para suspender a Venezuela] e o Mercosul, expulsado a Venezuela do bloco.”

Machado afirma que a crise do país é um problema para toda a região não apenas por causa dos venezuelan­os que emigram. “As doenças, o

“Maduro no poder já não se conta mais em horas, e sim em mortos. Mortos pela repressão, pela fome e pela violência. Isso tem de parar já Este Conselho Nacional Eleitoral não serve nem para eleger rainha do Carnaval

Machado diz crer que os atuais parlamenta­res oposicioni­stas terão papel crucial em defender a autoridade da Assembleia Nacional e devem permanecer lá. “O governo tentará tirá-los, e tem armas, mas não há outra maneira.”

Por outro lado, diz que o poder para pressionar o governo agora vem das ruas.

“O protagonis­ta deste processo é o cidadão, e essa revolta de mais de cem dias é encabeçada por estudantes, sindicatos, organizaçõ­es de direitos humanos. Nós, políticos, temos que dar organicida­de ao movimento, mas ele pertence à cidadania.”

Segundo Machado, haverá espaço para o aumento da voz opositora, uma vez que “houve ruptura da base chavista”. “Já há dissidênci­as entre juízes, promotores e militares.”

Ela acrescenta, contudo, que todos devem estar alertas em relação à intensific­ação da repressão. “É uma ditadura agonizando, vai usar a força como último recurso.”

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