Demissão de Anthony Scaramucci indica que John Kelly começou bem
DE NOVA YORK
“Não há caos na Casa Branca”, escreveu o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em uma rede social na manhã desta sexta-feira (31). Poucas horas depois, o jornal “The New York Times” anunciava que Anthony Scaramucci, o financista de Wall Street que assumira há dez dias o comando da área de comunicação do governo, estava deixando o cargo.
“Caos” é a palavra que mais se lê e se ouve na mídia americana sobre a gestão de Trump. A segunda, possivelmente, é “drama”. E não se trata de “fake news” (notícias falsas, como alardeia o presidente). O republicano parece ser um daqueles casos em que a pessoa insiste em puxar seu próprio tapete.
Para ficar nos episódios que cercaram a meteórica ascensão e queda de Scaramucci, tudo começou em maio, quando Mike Dubke deixou o posto de diretor de comunicação e não foi substituído. O então porta-voz, Sean Spicer, que respondia ao diretor, acabou acumulando as funções.
Personagem folclórico, com seus tumultuados “briefings” para a imprensa, Spicer logo começou a ser fritado pela Casa Branca. Rumores sobre sua possível substituição pipocaram na imprensa diariamente.
No dia 21 de julho, Trump decidiu, enfim, convidar Scaramucci para a chefiar a comunicação. O empresário de 53 anos não tinha nenhuma experiência prévia na administração pública e nunca atuara na área para a qual estava sendo nomeado.
Temperamental como o chefe, já financiara o democrata Barack Obama e criticara o republicano até apoiá-lo. JARED E IVANKA A indicação teve o apoio do casal Jared Kushner, o genro, e Ivanka Trump, a filha, ambos assessores presidenciais, que se viam em rota de colisão com o então chefe de gabinete Reince Priebus, também desafeto de Scaramucci.
Respondendo diretamente à Casa Branca, o novo diretor correspondeu às expectativas do círculo familiar: além de provocar a renúncia de Spicer, derrubou Priebus, depois de insinuar que ele vazara informações do governo.
Na sexta (28), Trump indicou o general John Kelly, então secretário de Segurança Doméstica, para chefiar seu gabinete (cargo similar ao de ministro-chefe da Casa Civil).
Pouco antes, na noite de quarta (26), Scaramucci telefonara para Ryan Lizza, jor- nalista da revista “The New Yorker” e comentarista da CNN, para interpelá-lo sobre quem vazara a informação sobre um almoço sigiloso na Casa Branca que ele, Lizza, citara em um canal na internet.
A conversa, sobre a qual Scaramucci não pediu sigilo, foi publicada —e bateu o recordes de leitura on-line da revista. Durante a ligação, o ex-diretor ameaçou demitir todos seus colaboradores e lançou impropérios contra assessores da presidência.
Dois assessores da Casa Branca recém-demitidos, Sean Spicer (porta-voz) e Reince Priebus (chefe de gabinete), talvez fossem incompetentes em seus postos, mas sabiam o bastante para perceber que Anthony Scaramucci como diretor de comunicação seria um desastre.
Roubar os holofotes de um presidente jamais é boa ideia, mas uma entrevista repleta de palavrões à revista “New Yorker” mostra até que ponto o diretor era desprovido de juízo, classe e profissionalismo —mesmo pelos padrões atuais da Casa Branca.
Sua demissão foi imediatamente tomada como sinal de que John Kelly, o novo
SARAH HUCKABEE SANDERS
vice-porta-voz da Cada Branca
de bom para ele”
chefe de gabinete, está no controle da situação.
O “Washington Post” afirmou que “o general reformado foi levado à Casa Branca na esperança de que instaure disciplina militar no governo Trump”, com plenos poderes para fazer mudanças.
Recuemos um momento, pois. Lembram-se de quem pressionou a favor de Scaramucci? Jared Kushner e Kellyanne Conway. É de imaginar quantas ideias idiotas (demitir o ex-chefe do FBI James Comey, reunir-se com um banqueiro russo, ocultar essas reuniões, interferir na política do Qatar) terão de ser ligadas a Kushner até que a claque deixe de bajular o primeiro genro e Kelly sugira a ele voltar ao comando de seus negócios em Nova York.
A dependência de Trump de generais e de bilionários, seu instinto vingativo, sua recusa em compreender as competências necessárias ao serviço público, suas explosões e sua ignorância resultam em desastre após desastre. Talvez esses desastres ampliem o poder de Kelly e reduzam a influência de gente como Kushner, que incentiva decisões podres.
Se Kelly quiser profissionalizar a Casa Branca, porém, ele terá de fazer mais do que ejetar Scaramucci.
Terá de remover da TV e dos corredores mentirosos instintivos como Kellyanne Conway, a mulher dos “fatos alternativos”, e personagens como Sebastian Gorka, que nem ao menos conseguiu licença de segurança para lidar com material sigiloso.
Terá de aplacar os ataques presidenciais ao secretário da Justiça que o próprio Trump escolheu e pôr fim ao rumor de que o procurador especial Robert Mueller será demitido. E terá de fazer um ultimato ao presidente: nada de tuitar sem aval prévio nem de improvisar em discursos —caso contrário, Kelly deveria se demitir.
Neste momento, Trump precisa de Kelly mais do que Kelly precisa do cargo. Isso dá ao assessor influência incomum sobre o presidente. Essa influência pode não durar, mas com Trump à beira de se imolar politicamente, Kelly terá de convencê-lo de que esta é a última chance de virar o jogo.
Demitir Scaramucci é um bom começo. Mas a história de como Scaramucci chegou ao posto deve servir de incentivo para o fim dos assessores burros, das decisões incorretas e do desprezo da Casa Branca por especialistas.
MARK CORALLO
Porta-voz da equipe de advogados do presidente ↳ Renunciou em 20.jul
SEAN SPICER
Porta-voz da Casa Branca ↳ Renunciou em 21.jul
REINCE PRIEBUS
Chefe de gabinete ↳ Pediu demissão em 27.jul
ANTHONY SCARAMUCCI
Diretor de comunicação ↳ Demitido em 31.jul