Folha de S.Paulo

De propósito

- NIZAN GUANAES COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

A VIDA ensina tudo. E uma das lições que ela me ensinou e que eu mais valorizo é a de que, para fazer coisas grandes, tem que fazer com os outros. E, para fazer com os outros, é preciso ter um propósito comum.

Mark Zuckerberg, um dos empreended­ores mais relevantes deste século, voltou a Harvard neste ano para discursar para turmas de formandos e receber título honorífico da universida­de que abandonou para criar o Facebook. E sobre o que Zuckerberg falou? Propósito.

Para ele, hoje não basta que cada um busque o seu propósito na vida, mas que também ajude os outros a descobrir e perseguir seu propósito.

Zuckerberg está certo. A quantidade de informação e desinforma­ção que consumimos, com a ajuda da rede social que ele criou, tem a capacidade tanto de iluminar como de obscurecer os caminhos à nossa frente.

Na difícil situação do Brasil hoje, ter clareza de propósito pode ser uma grande alavanca para o entendimen­to mútuo e o desenvolvi­mento geral.

O propósito de uma empresa não deve ser buscar apenas lucro líquido, mas também orgulho líquido do que ela constrói com seus colaborado­res nas comunidade­s em que atua.

O propósito do político e dos politizado­s não pode ser destruir seu adversário, mas construir uma política melhor para um país melhor.

Sentar na frente de uma tela e disparar torpedos destruidor­es repletos de ódio e mentiras atende a qual propósito?

Talvez a um propósito imediatist­a de destruir adversário­s, desopilar o fígado, ganhar uma eleição.

Mas será que não é possível pensar e promover propósitos mais elevados? Claro que é.

No seu discurso em Harvard, Zuckerberg cita uma bela história sobre o presidente americano John F. Kennedy. Em visita à Nasa, o líder democrata perguntou a um faxineiro que andava com uma vassoura na mão o que ele fazia na agência espacial. Ele respondeu: “Sr. presidente, estou ajudando a levar o homem à Lua”.

Nesse longevo flá-flu brasileiro, um propósito coletivo básico, talvez o mais básico de todos, é buscar o respeito mútuo e o debate razoável. É pouco para reconstrui­r uma nação devastada, mas é suficiente para começar a reconstruç­ão.

Os empresário­s, assim como todos os outros setores da sociedade, precisam participar dessa reação propositad­a. Muitos já o estão fazendo, cientes de que há coisas mais importante­s na atuação empresaria­l do que o lucro líquido, embora o lucro seja obviamente fundamenta­l para todas as empresas.

A propósito, vale sempre lembrar diálogo extraordin­ário entre uma freira americana cuidando de leprosos e um milionário empresário americano, que a vendo ali naquela situação afirmou: “Freira, eu não faria isso por dinheiro nenhum no mundo”. Ao que ela responde: “Eu também não”.

No início desta longa e resistente crise, escrevi aqui neste nobre espaço como era importante que os líderes empresaria­is olhassem para dentro de suas empresas e as gerissem da forma mais eficiente possível da porteira para dentro, onde podiam atuar com alto impacto, enquanto a crise lá fora se desenrolav­a longe de sua capacidade de influência. Muitos fizeram isso, e as empresas estão aí firmes e preparadas para o próximo ciclo de cresciment­o que começa a aparecer no horizonte.

Mas agora é hora de nós todos atuarmos como cidadãos em busca de propósito tão básico quanto fundamenta­l: o entendimen­to e o respeito mútuo.

Nesse flá-flu brasileiro, um propósito coletivo básico é buscar o respeito mútuo e o debate razoável

NIZAN GUANAES,

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