ANÁLISE Jeanne Moreau reafirmou, a cada papel, seu apreço pela liberdade
FOLHA
Se existiu uma atriz capaz de simbolizar o cinema moderno essa foi Jeanne Moreau, que morreu aos 89 anos.
E, vamos admitir, a melhor saudação fúnebre a esta atriz veio da presidência da República Francesa, para quem ela encarnou tanto a rebeldia como a rotina. Poderia ser uma definição do cinema desde o fim da Segunda Guerra.
Desde que irrompeu, em “Ascensor para o Cadafalso” (1957), junto com o diretor Louis Malle, foi já quebrando as cadeias. Logo em seguida, “Os Amantes”, do mesmo diretor, marcaria um momento ainda mais radical na ideia de libertação temática como estilística que marcou a época.
Logo se tornou uma atriz solicitada pelos maiores cineastas europeus. Com Michelangelo Antonioni, fez “A Noite” (1961). Com François Truffaut, consagrou de uma vez sua voz rouca em “Jules e Jim - Uma Mulher para Dois” (1962). Trabalhou em “O Processo” (1962) com Orson Welles, que a chamou de “a melhor atriz do mundo”.
Talvez o trabalho mais comercial nos anos 1960 tenha sido “Viva Maria”, de Malle, no qual fazia dupla com Brigitte Bardot —esta foi o maior “sex symbol” da década. Moreau não corria na raia da beleza física estonteante. Era mulher moderna, intelectual, livre e não raro libertária.
Foi sucessivamente a personagem um tanto convencional disposta a matar o marido (“Ascensor para o Cadafalso”), a mulher em busca de amante para fugir do tédio (“Os Amantes”), antes de consagrar a liberdade sexual como a heroína de “Jules e Jim”, capaz de amar dois amigos com igual (ou quase) intensidade. No Brasil, fez dois filmes de Carlos Diegues, em “Os Herdeiros” e “Joanna Francesa”.
Foram só dois casamentos (um deles o grande diretor William Friedkin), mas muitos amantes. Significam a inquietude sem fim, o gosto pela independência, a inteligência e o poder de sedução dessa atriz que, se vê sua força de estrela arrefecer na maturidade (como acontece frequentemente às atrizes), ainda filmaria, entre outros, com R.W. Fassbinder (“Querelle”, de 1982).
Que dizer ao final dessa vida completa? Que a cada trabalho reafirmou o gosto pela liberdade, rebeldia e o pouco apreço à rotina. Ela marcou a arte do cinema para sempre.
“Ascensor para o Cadafalso” (1958)
O longa de Louis Malle põe a francesa no papel de uma mulher que se junta ao amante para assassinar o marido, mas as coisas não saem como planejado
“Amantes” (1958)
Malle e Moreau repetem a parceria, que rendeu à atriz o prêmio de interpretação no Festival de Veneza por seu papel de uma mulher sexualmente liberal
“Duas Almas em Suplício” (1960)
Mais uma vez premiada, desta vez em Cannes, a francesa vive uma burguesa que se apaixona por um operário (Jean Paul Belmondo), ambos testemunhas do fim trágico de outro casal
“A Noite” (1961)
Escalada pelo italiano Michelangelo Antonioni, Moreau faz par com Marcello Mastroiani nessa trama sobre um casal cuja relação está para lá de desgastada
"Jules e Jim – Uma Mulher para Dois” (1962)
Em seu filme mais famoso, Moreau interpreta a caprichosa Catherine, um dos vértices do triângulo amoroso que envolve dois amigos boêmios no longa de François Truffaut
“Diário de uma Camareira” (1964)
Luis Buñuel chamou Moreau para viver a personagemtítulo, que é testemunha das perversidadese dos fetiches de seus patrões, donos de uma casa no campo
“Viva Maria!” (1965)
Com Brigitte Bardot, forma uma dupla de cantoras/ dançarinas que se envolve numa revolução socialista em um país da América Central
“A Noiva Estava de Preto” (1968)
Novamente dirigida por Truffaut, ela interpreta uma viúva que empreende uma vingança contra os homens que assassinaram o seu marido no dia de seu casamento
“Joanna Francesa” (1973)
Dirigida por Cacá Diegues, a atriz faz o papel da dona de um bordel em São Paulo que se torna senhora de engenho no interior do Nordeste; foi dublada por Fernanda Montenegro
“Uma Dama em Paris” (2012)
Num de seus últimos filmes, ela interpreta uma velha imigrante da Estônia que precisa de cuidados especiais e que busca a atenção de seu ex-amante, anos mais novo