Folha de S.Paulo

Contra ditadura de Angola, Agualusa recorre a sonhos

Autor promoveu livro ‘A Sociedade dos Sonhadores Involuntár­ios’ na Flip

- AMANDA RIBEIRO

Obra faz alusão à prisão e à resistênci­a de 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, que esteve em Paraty FOLHA

José Eduardo Agualusa diz ter escolhido sonhar por quem se resignou a apenas sobreviver. Ao contrário da maior parte de sua geração — que critica em seu livro mais recente, “A Sociedade dos Sonhadores Involuntár­ios” (leia resenha ao lado)— o escritor angolano não desistiu de lutar pela abertura política do país, mergulhado em uma ditadura desde 1979.

“Com o tempo, as gerações mais antigas acabaram se conformand­o com a realidade do país, ou até pior, se corrompend­o. Os regimes totalitári­os fazem isso, destroem a alma das pessoas”, disse, no sofá de uma casa alugada em Paraty, onde promoveu o livro durante a Festa Literária Internacio­nal de Paraty.

A crítica política e social é um tema recorrente no trabalho do autor, que já publicou 14 romances. Além de seu livro mais recente, “O Vendedor de Passados” (2004) e “Estação das Chuvas” (1996) também fazem críticas ferozes à realidade de Angola.

Com o hábito de sempre anotar seus sonhos em um diário, o autor já conseguiu frases, personagen­s e até enredos de romances.

Alguns —como uma história sobre o ramo automobilí­stico nos EUA— ele deixa para lá. Outros se tornam livros ou partes importante­s deles. “Todos os sonhos do livro são meus. Posso dizer que sou um sonhador voluntário”.

Vestindo uma camiseta estampada com um Machado de Assis de cabelo “black power”, sua homenagem a esta edição da Flip, Agualusa detalha o processo de criação do romance, produzido ao longo de seis anos.

Na sátira política, quatro personagen­s lidam com seus sonhos e tentam reagir às condições de desmoronam­ento de um país sob o totalitari­smo. O livro se inspira no caso de perseguiçã­o política que ficou conhecido como 15+2, ocorrido em Angola em 2015. Na ocasião, 15 jovens ativistas foram presos acusados de planejar uma rebelião contra o presidente da República.

O grupo se reunira para discutir formas pacíficas de protesto e ler um livro sobre como acabar com ditaduras.

Entre esses presos políticos estava o rapper luso-angolano Luaty Beirão, um dos convidados da Flip, que fez greve de fome por 36 dias para protestar contra a sua prisão e a dos colegas.

Em alusão ao caso, os personagen­s ativistas da obra de Agualusa fazem greve de fome para mostrar que “é possível resistir sem fazer tiros”.

Perguntado sobre o destino de Angola, com a piora no estado de saúde do presidente José Eduardo dos Santos, o escritor disse ver uma fresta de luz em uma janela que esteve fechada por muito tempo.

“Temos que esperar para ver se os partidos de oposição vão conseguir se unir para abrir totalmente essa janela”.

Santos deve abandonar o cargo de presidente depois das próximas eleições, em agosto, e se tornar presidente emérito. A expectativ­a é que vença o candidato da situação, João Lourenço.

Sem planos concretos para um novo romance, Agualusa coleciona ideias e quer começar a produzir até outubro. Enquanto isso, seus títulos antigos serão reagrupado­s no Brasil pelo selo Tusquets, da editora Planeta.

Com o tempo, as gerações mais antigas acabaram se conformand­o com a realidade do país, ou até pior, se corrompend­o. Os regimes totalitári­os fazem isso, eles destroem a alma das pessoas”

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Bruno Santos/Folhapress José Eduardo Agualusa em Paraty (RJ)

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