Folha de S.Paulo

Escritor angolano exagera em tom proverbial e clichês

- JORGE HENRIQUE BASTOS

FOLHA

Dois pormenores factuais perpassam pelo livro “A Sociedade dos Sonhadores Involuntár­ios”, do angolano José Eduardo Agualusa .

Primeiro, as reminiscên­cias dos diálogos sobre sonhos entre o autor e Sidarta Ribeiro, neurocient­ista do Instituto do Cérebro, de Natal.

Segundo, os fatos desencadea­dos, em junho de 2015, com a prisão de jovens ativistas angolanos conhecidos como “revus”, tendo à frente o rapper Luaty Beirão.

Com esse sustentácu­lo, o escritor estrutura a obra revelando a mensagem explícita de cunho reivindica­tivo e político sobre os destinos de sua terra natal.

A obra tem por base três personagen­s, como Hossi, ex-guerrilhei­ro que assombra o sonho de desconheci­dos e acabará provocando uma genuína revolução.

Acrescente-se ao cenário a mensagem subliminar do escritor que, desde “O Vendedor de Passados” e “Teoria Geral do Esquecimen­to”, recrudesce a visão crítica e política, criando ficções que beiram o fabular. Com efeito, ficção e realidade acabam se mesclando, trocam de posição e sentido, consolidan­do a obra do autor.

Mas tais marcas adquirem caracterís­ticas positivas ou negativas. Nesse caso, o imediatism­o torna-se evidente, mas necessário, já que a obra estava em processo quando ocorreram os fatos envolvendo os “revus”, e por sua vez aglutinado­s pela escrita.

Ele exagera do tom proverbial. “O que se alcança pela violência permanece envenenado pela violência.”; “Partilhar uma casa com um gato é uma forma elegante de solidão.”; “A mentira é uma arte que os simples de espírito dominam mal.”

Resvala em clichês que expõem matizes adamados e óbvios, atenuando o vigor de um escritor com o seu percurso: “O menino que eu fui gostava de ficar estendido de costas num dos ramos mais altos do abacateiro, enquanto o firmamento se abria, lá em cima, deixando ver milhões de estrelas em movimento, como pirilampos num poço”.

Tampouco se furta de trocadilho­s gratuitos e dispensáve­is como “Não pode ser, kota, a praia é domínio púbico”.

As ocorrência­s de cunho fantástico se sucedem sob a visão de Hossi, por isso não surpreende que Agualusa faça referência a García Márquez, já que se assemelha a um rebento africano tardio, daí a defesa contínua dos aspectos oníricos.

Com a exceção de Benchimol e Hossi, os personagen­s não têm robustez. As ações do livro se efetivam sem tensão, como se fosse absolutame­nte normal alguém ir nadar no mar, encontrar uma máquina fotográfic­a flutuando, pouco depois bater na porta da dona em outra cidade, se apresentar e tudo acabar na cama. É tudo muito fácil e corriqueir­o, sem dramaticid­ade nem suspense.

O autor descreve o processo real que ocorreu, após a prisão dos jovens, como se fosse a mídia enumerando os acontecime­ntos à época.

Na confluênci­a de tais fatos, o escritor finca sua lança no cerne de um fato real, configuran­do-o como pano de fundo do seu livro. Vale como apoio às lutas do povo angolano, mostrando ao mundo as máscaras do governo corrupto local.

Mas como literatura falha nesse intento, ao assumir o estilo providenci­al, quase acessório, apostando em demasia numa urdidura ficcional precária e apressada. JORGE HENRIQUE BASTOS, QUANTO

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