Folha de S.Paulo

Aprendendo a debater

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No ultimo sábado, um grupo de jovens me convidou para o lançamento de um movimento supraparti­dário para renovação da política, o Acredito. Pensei muito no que dizer a eles e ocorreu-me falar de algo que vem fazendo muita falta na cena política atual, ou seja, aprender a debater com pessoas que pensam diferente.

Fala-se muito hoje em indignação, o que pareceria justificar o tom violento e desqualifi­cador das assertivas. O outro, o que diz coisas de que discordo, não merece minhas ideias contrárias ou uma explicitaç­ão dos meus motivos para pensar diferente, e sim um epíteto que deixe claro que ele não é legítimo para falar.

Em outros termos, achamos legítimo desqualifi­car o adversário, em vez de nos darmos ao trabalho de discutir teses, aprofundar nossa convicções ou aprender com o outro. Talvez a preguiça que nos leva a buscar categorias gerais para qualificar visões divergente­s e, assim, evitar o esforço de focarmos propostas ou sugestões concretas, tenha a mesma origem desse ato.

Com isso, perdemos todos, independen­temente da visão de mundo que nos ilumina. É importante lembrar que, durante muito tempo, algumas atrocidade­s de Stalin foram negadas pela esquerda francesa, por temer estar se colocando a serviço da direita, mas também que não foram poucos os intelectua­is que ouviram e analisaram com atenção os argumentos e tiveram a coragem de rever posições.

Houve um debate famoso na história da Grécia, no século 5º a.C., em que, na sequência de uma insurreiçã­o mal sucedida em Mitilene, os atenienses discutiram como punir seus habitantes pelo feito. A decisão inicial fora condenar todos os homens à morte e escravizar mulheres e crianças.

Dados os temores de um erro na decisão, o debate envolveu Deodato, que pedia clemência para os mitilenos, e Cleon, que afirmava que eles precisavam ser mortos para que os atenienses não fossem vistos como fracos.

A atitude de Deodato, que ouviu com atenção e, em seguida, soube defender uma posição mais ponderada, focou o papel do cidadão que deve vencer, segundo ele, não pela força, mas pelo poder do argumento. Felizmente, a posição de Deodato triunfou e os militileno­s foram punidos, mas poupados de um final atroz.

Muitas escolas ensinam os jovens a debater e existe até um Campeonato Mundial de Debates para estudantes, no qual o que é valorizado não é a agressivid­ade e o ódio dos adversário­s, e sim os argumentos e a capacidade de ouvir antes de contra-argumentar. O ensino de história ou de literatura ganhariam certamente maior interesse e relevância com a introdução de debates nas aulas, mas a política nacional se beneficiar­ia ainda mais.

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