ANOS DE INCERTEZA
1 Com sintomas variados e intermitentes, esclerose múltipla pode levar décadas para ser diagnosticada
Na esclerose múltipla, o sistema imunológico não reconhece a mielina e a ataca, lesionando parte do tecido nervoso
bain had e mielina,
camada de gordura essencial na transmissão de impulsos nervosos
axônio,
prolongamento que liga dois neurônios
A paulistana Rose Berri, 44, demorou dez anos para ter o diagnóstico de esclerose múltipla, doença autoimune que afeta o cérebro e a medula. Em 2000, depois de acordar com enjoo e tontura, recebeu o diagnóstico de embriaguez em um hospital. Sem exames, receitaram glicose.
Os sintomas persistiram, e a conclusão seguinte foi de labirintite. Depois, aneurisma. As vertigens voltaram, então com suspeita de distúrbios psiquiátricos. “Comecei a me retrair, não falava mais que estava mal”, diz.
Quando passou a enxergar manchas pretas, foi encaminhada a um neurologista. Só então recebeu o diagnóstico correto. “Foi um alívio.”
Nanci de Souza, 48, tem trajetória semelhante. Do primeiro surto (inflamação no sistema nervoso causada pelo ataque das células de defesa do organismo) ao diagnóstico foram 25 anos.
Nesse período, perdeu momentaneamente a capacidade de andar e sentiu dormência —sintomas que renderam vários diagnósticos errados.
A diagnose certa veio de um neurologista depois de uma suspeita de AVC.
Rara e com mecanismos poucos conhecidos, a esclerose múltipla confunde médicos. Os sintomas surgem mais agressivos nos surtos: o paciente pode sentir, por exemplo, dormência nos membros, problemas motores, visão turva (veja quadro).
A identificação da doença é complexa. “É como montar um quebra-cabeças”, diz o neurologista Rodrigo Kleinpaul, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
A avaliação inclui observação clínica dos sintomas e exames, como de ressonância magnética e de sangue. BRANCOS E RICOS O que os cientistas sabem é que, nessa doença, os linfócitos (as células de defesa) que circulam pelo sangue entram no sistema nervoso central e atacam o próprio organismo. Atinge mais brancos e mulheres em países ricos.
A média global é de 33 casos por 100 mil habitantes. A taxa explode em países do hemisfério norte, como EUA (135 casos) e Canadá (291). No Brasil, o Ministério da Saúde estima que haja 15 casos por 100 mil pessoas —número que pode estar subnotificado.
São desconhecidas as razões da prevalência maior em mulheres, que é verificada também em outras doenças autoimunes, como o lúpus.
Mas, ao contrário do que mielina esclerosada linfócito se pensava há décadas, mulheres que têm esclerose múltipla podem engravidar.
Na gestação, os sintomas somem, graças a uma queda natural do sistema imunológico. É quase como um “tratamento temporário” para a doença, afirma a neurologista Patricia Coyle, da Universidade de Stony Brook, em Nova York (EUA).
Com o fim da gestação, porém, o sistema imunológico volta ao normal, ressuscitando a possibilidade de volta dos sintomas. A medicação usada para evitar os surtos são fortes, e não há consenso de que a amamentação seja segura para a criança.
Sem sintomas há seis anos, a empresária paulista Paula Kfouri, 34, parou de tomar os remédios ao engravidar e não voltará a usá-los até que o filho João, 1, complete dois anos, para amamentá-lo.
Já Bianca Azevedo, 37, desistiu de ser mãe após o diagnóstico, em 2015. “Não tenho o direito de pôr uma criança no mundo sem saber que futuro vou poder dar a ela”, diz.
A apreensão é comum nos consultórios. “As pacientes temem não poder cuidar da criança”, afirma a neurologista Maria Cecília de Vecino, do centro de esclerose múltipla do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
ESCLEROSE MÚLTIPLA
Doença neurológica autoimune, na qual as células de defesa atacam o sistema nervoso central. Não é letal, mas é incapacitante e não tem cura
O QUE CAUSA
Multifatorial, resulta de uma combinação de fatores genéticos, ambientais e geográficos
PROPORÇÃO