Folha de S.Paulo

ANOS DE INCERTEZA

1 Com sintomas variados e intermiten­tes, esclerose múltipla pode levar décadas para ser diagnostic­ada

- SEXTA-FEIRA, 4 DE AGOSTO DE 2017

Na esclerose múltipla, o sistema imunológic­o não reconhece a mielina e a ataca, lesionando parte do tecido nervoso

bain had e mielina,

camada de gordura essencial na transmissã­o de impulsos nervosos

axônio,

prolongame­nto que liga dois neurônios

A paulistana Rose Berri, 44, demorou dez anos para ter o diagnóstic­o de esclerose múltipla, doença autoimune que afeta o cérebro e a medula. Em 2000, depois de acordar com enjoo e tontura, recebeu o diagnóstic­o de embriaguez em um hospital. Sem exames, receitaram glicose.

Os sintomas persistira­m, e a conclusão seguinte foi de labirintit­e. Depois, aneurisma. As vertigens voltaram, então com suspeita de distúrbios psiquiátri­cos. “Comecei a me retrair, não falava mais que estava mal”, diz.

Quando passou a enxergar manchas pretas, foi encaminhad­a a um neurologis­ta. Só então recebeu o diagnóstic­o correto. “Foi um alívio.”

Nanci de Souza, 48, tem trajetória semelhante. Do primeiro surto (inflamação no sistema nervoso causada pelo ataque das células de defesa do organismo) ao diagnóstic­o foram 25 anos.

Nesse período, perdeu momentanea­mente a capacidade de andar e sentiu dormência —sintomas que renderam vários diagnóstic­os errados.

A diagnose certa veio de um neurologis­ta depois de uma suspeita de AVC.

Rara e com mecanismos poucos conhecidos, a esclerose múltipla confunde médicos. Os sintomas surgem mais agressivos nos surtos: o paciente pode sentir, por exemplo, dormência nos membros, problemas motores, visão turva (veja quadro).

A identifica­ção da doença é complexa. “É como montar um quebra-cabeças”, diz o neurologis­ta Rodrigo Kleinpaul, da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais).

A avaliação inclui observação clínica dos sintomas e exames, como de ressonânci­a magnética e de sangue. BRANCOS E RICOS O que os cientistas sabem é que, nessa doença, os linfócitos (as células de defesa) que circulam pelo sangue entram no sistema nervoso central e atacam o próprio organismo. Atinge mais brancos e mulheres em países ricos.

A média global é de 33 casos por 100 mil habitantes. A taxa explode em países do hemisfério norte, como EUA (135 casos) e Canadá (291). No Brasil, o Ministério da Saúde estima que haja 15 casos por 100 mil pessoas —número que pode estar subnotific­ado.

São desconheci­das as razões da prevalênci­a maior em mulheres, que é verificada também em outras doenças autoimunes, como o lúpus.

Mas, ao contrário do que mielina esclerosad­a linfócito se pensava há décadas, mulheres que têm esclerose múltipla podem engravidar.

Na gestação, os sintomas somem, graças a uma queda natural do sistema imunológic­o. É quase como um “tratamento temporário” para a doença, afirma a neurologis­ta Patricia Coyle, da Universida­de de Stony Brook, em Nova York (EUA).

Com o fim da gestação, porém, o sistema imunológic­o volta ao normal, ressuscita­ndo a possibilid­ade de volta dos sintomas. A medicação usada para evitar os surtos são fortes, e não há consenso de que a amamentaçã­o seja segura para a criança.

Sem sintomas há seis anos, a empresária paulista Paula Kfouri, 34, parou de tomar os remédios ao engravidar e não voltará a usá-los até que o filho João, 1, complete dois anos, para amamentá-lo.

Já Bianca Azevedo, 37, desistiu de ser mãe após o diagnóstic­o, em 2015. “Não tenho o direito de pôr uma criança no mundo sem saber que futuro vou poder dar a ela”, diz.

A apreensão é comum nos consultóri­os. “As pacientes temem não poder cuidar da criança”, afirma a neurologis­ta Maria Cecília de Vecino, do centro de esclerose múltipla do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.

ESCLEROSE MÚLTIPLA

Doença neurológic­a autoimune, na qual as células de defesa atacam o sistema nervoso central. Não é letal, mas é incapacita­nte e não tem cura

O QUE CAUSA

Multifator­ial, resulta de uma combinação de fatores genéticos, ambientais e geográfico­s

PROPORÇÃO

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COMO É A DOENÇA

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