Folha de S.Paulo

Pleito descabido

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A elite do funcionali­smo federal é composta por categorias que, além de elevadas responsabi­lidades e qualificaç­ões, dispõem de formidável poder de barganha —por motivos óbvios, a classe política evita ao máximo contrariar delegados da Polícia Federal, auditores fiscais, procurador­es ou juízes.

Não por acaso, costumam partir desses estratos superiores do quadro de pessoal as pressões mais eficazes por reajustes salariais, que cedo ou tarde são estendidos ao restante das corporaçõe­s.

Agora mesmo, o Ministério Público decidiu pleitear um descabido —em tempos de desemprego alto e cortes gerais de despesas— aumento de 16,38%, no que foi seguido por associaçõe­s do Judiciário.

Tal benesse elevaria os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal, os mais altos do serviço público nacional, de R$ 33,8 mil para R$ 39,3 mil.

É auspicioso que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, tenha sinalizado que não cederá à demanda corporativ­a. A concessão acentuaria ainda mais os desequilíb­rios na folha de pagamentos e ameaçaria o cumpriment­o do teto fixado para as despesas federais.

Estudo da Instituiçã­o Fiscal Independen­te, órgão instituído pelo Senado, mostra que o Legislativ­o e o Judiciário aproximam-se de extrapolar o limite máximo de gastos —correspond­ente ao dispêndio deste ano, corrigido pela inflação— já em 2019.

No ano passado, a fatia orçamentár­ia dos encargos com pessoal ativo e inativo atingiu 88% no Congresso, 84% na Justiça e 81% no Ministério Público. Novos reajustes salariais, é óbvio, elevariam ainda mais essas proporções.

Não se discute que juízes, procurador­es e outros funcionári­os de alto gabarito mereçam ser bem remunerado­s. Há, porém, que estabelece­r prioridade­s para o uso de recursos escassos, ainda mais quando se estima que a escalada da dívida do governo, causa maior da crise econômica, só deverá ser interrompi­da na próxima década.

A elite do funcionali­smo já desfruta de estabilida­de no emprego e condições de vida mais que confortáve­is. Enquanto isso, o país enfrenta carências em setores cruciais como educação básica, saúde, saneamento, mobilidade urbana e infraestru­tura de transporte­s.

Uma alocação mais eficiente dos recursos do Estado deveria priorizar programas e ações capazes de reduzir a desigualda­de social no país —e não de elevá-la.

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