Folha de S.Paulo

É claro. Se não acreditass­e, não estaria na causa.

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Um dos responsáve­is pela defesa de Sérgio Cabral (PMDB) nas 12 ações penais contra o ex-governador do Rio de Janeiro, o advogado Rodrigo Roca afirma que seu cliente é visto como um “troféu” pela força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio.

Roca diz que há “uma potenciali­zação da versão dos delatores”, o que ajuda os procurador­es a criarem um “grande demônio” para taxar como “inimigo público”.

Cabral reconhece o uso pessoal de sobras de caixa dois de campanha, bem como relação com os doleiros Renato e Marcelo Chebar, que firmaram delação premiada.

Contudo, diz que os dois gerenciava­m seu dinheiro irregular dentro do país. Ele nega ter acumulado US$ 100 milhões no exterior, como eles relatam, bem como ter arrecadado propina, como afirmaram executivos da Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia. “Se tem 4, 5 fatos verdadeiro­s, pensa que está automatica­mente autorizado a dizer que o 6º também é. Mas não é”, afirma ele.

A estratégia de defesa visa desacredit­ar a delação dos doleiros e a confissão de Luiz Carlos Bezerra, amigo de infância de Cabral apontado como responsáve­l por coletar e distribuir a propina. Folha – O sr. ainda vê chances de Sérgio Cabral ser absolvido?

Rodrigo Roca – A tese de uso de sobras de caixa dois de campanha já não é o reconhecim­ento de crimes?

Poderia cogitar um crime de apropriaçã­o. Pela linha de inquirição do magistrado [Marcelo Bretas] e do Ministério Público Federal, ainda não está muito clara a diferença entre corrupção, propina, e o dinheiro que é doado, com o qual se faz um mau uso, mas sem contrapart­ida, sem vantagem. Pode-se dizer que há um problema. Mas não é nada parecido com o descrito nas intermináv­eis ações penais. Ao reconhecer esses erros, ele não deveria buscar uma pena justa, em vez da absolvição?

Não, até porque ele deve ser julgado com a imputação que foi feita. E ele não reconhece crimes. Ele reconhece um desvio de conduta e que usou dinheiro de caixa dois. Se houvesse alguma figura criminal que abarcasse essa conduta, poderia ser punido por isso. Mas em absoluto crimes contra o mercado financeiro, lavagem de ativos, branqueame­nto de capitais, etc. Essa é uma estratégia usada pelo [ex-presidente Fernando] Collor na ação penal contra ele.

Quando se fala da acusação, é uma versão, tese. Quando se fala da defesa, é uma estratégia. Ninguém admite, nem por hipótese, que ele não tenha cometido os crimes que estão dizendo. São duas versões. Não é porque está numa denúncia que é verdade. O caso do ex-governador tem a materialid­ade, como as joias e todo o estilo de vida.

Não materializ­a pelo seguinte: eu ganho R$ 1.000 e tenho padrão de vida de R$ 2.000. É incompatív­el com meus vencimento­s. Mas se eu ganho os mesmos R$ 1.000, e tenho padrão de vida com R$ 1 milhão também é incompatív­el. O que está acontecend­o é que as pessoas não estão mensurando isso. Ele admitiu a compra de joias, mas não nesse montante. A maior prova disso é que não acharam as principais joias. Não acharam porque não existem.

Eles estavam sob risco de investigaç­ão em outros países. Era uma questão de tempo até chegar a eles. Se descobrire­m amanhã que eles mentiram, o que pretendo provar, eles já estão em Portugal. Vamos ver se vamos conseguir achá-los. As informaçõe­s da tabela entregue por eles foram confirmada­s: pagamento de joias, voos de helicópter­o...

Há uma cegueira em relação aos fatos e uma potenciali­zação da versão dada aos delatores. Ela coincide, em alguns pontos, até determinad­o momento. O ex-governador de fato teve conta no exterior nos anos 1990, eles depois pagavam contas do ex-governador aqui no Brasil.

Se tem três, quatro, cinco fatos verdadeiro­s, pensa que está automatica­mente autorizado a dizer que o sexto também é. Mas não é. Vamos sempre terminar com uma planilha de Excel e o medo da prisão. Tenho esperança que o doutor Marcelo Bretas [juiz responsáve­l pelos processos da Lava Jato no Rio] me permita investigar a vida desses senhores no exterior [a defesa do ex-governador solicitou que a Justiça da Suíça e Andorra sejam questionad­as sobre processos e investigaç­ões contra os doleiros]. Se eles mentiram, o acordo seria invalidado. Seria a ruína da estratégia acusatória. Há também os depoimento­s de Luiz Carlos Bezerra, amigo de infância do ex-governador que controlava a movimentaç­ão, e não firmou delação. Como explicar?

Tem que saber o que prometeram a ele, mesmo sem delação. Há réus que, de tão desesperad­os, acham que se eles apontarem o indicador para qualquer direção sua situação vai melhorar. O melhor alvo hoje em dia é o ex-governador. O ex-governador é o político com mais processos na Lava Jato. Como avalia isso?

Os atores forenses volta e meia criam os grandes demônios, que taxam como inimigos públicos. O que me preocupa é que o ex-governador tenha se tornado um troféu. Por essa razão tem havido tanto empenho na caça a uma pessoa que está presa, que não teria condição de fugir para lugar nenhum.

Há pouco tempo, sexta-feira sim, outra não, tinha a divulgação de uma denúncia, para não deixar o tema arrefecer na opinião pública. Sérgio Cabral virou o depositári­o do ressentime­nto de algumas autoridade­s contra o governo. Só que ele está longe do governo há três anos e meio. Falou-se em algum momento em delação do Cabral. Isso pode ocorrer?

Isso foi uma ideia antiga, de seis meses atrás, e não contaria com meu apoio profission­al. Se não fosse um grande mal entendido, ofereceria minha renúncia. Por quê?

Foi um instituto mal importado. Nos países em que ele foi adotado, se beneficia alguns, para alcançar um número maior. Aqui essa pirâmide se inverteu. Beneficiam a muitos para buscar um.

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