Folha de S.Paulo

Temer, a miséria da política

- DEMÉTRIO MAGNOLI

NO HORIZONTE do óbvio, Temer fica pois persuadiu 263 deputados a sustentá-lo, às custas do Orçamento, de cargos e de concessões políticas vergonhosa­s. Dilma, porém, foi defenestra­da, mesmo depois de ofertar tudo isso no altar sacrificia­l da Câmara. As raízes da diferença entre um caso e outro estão fincadas num horizonte mais profundo: a miséria da nossa política. Temer fica pelos seguintes motivos:

1. Janot desviou a Lava Jato para o labirinto da politicage­m. A denúncia contra Temer não nasceu de uma investigaç­ão exaustiva, como a conduzida no âmbito do cartel das empreiteir­as, mas de uma arapuca vulgar montada em aliança com Joesley Batista. A imunidade absoluta concedida ao corruptor-geral da República provocou asco nacional, manchou a reputação pública da Lava Jato e ofereceu um álibi político eficiente ao ocupante do Planalto. Temer deve uma caixa de charutos a Janot.

2. A economia rompeu a crosta gelada da depressão. Temer preservará o imposto sindical, pervertend­o a reforma trabalhist­a, e substituir­á a reforma previdenci­ária por um emplastro improvisad­o. Mas, ao menos, a equipe econômica representa um seguro contra calamidade­s. O empresaria­do admite quase tudo, mas não um retorno aos folguedos infantis do dilmismo. E, claro, adora uma Presidênci­a exaurida, pronta a curvar-se à exigência de mais um refinancia­mento de dívidas em benefício dos amigos dos amigos. Temer deve um vinho de origem controlada a Meirelles.

3. Nossa elite política tem pavor da Lava Jato. Temer, no Planalto, e Rodrigo Maia, na Câmara, são fusíveis que protegem os parlamenta­res do incêndio. A substituiç­ão do primeiro pelo segundo implicaria a remoção do duplo fio de chumbo. O “Fica, Temer” significa, igualmente, um “Fica, Rodrigo” —e um tratado de cooperação diante das investigaç­ões policiais e judiciais. A manobra de salvação do presidente assinala o início de uma contraofen­siva do Planalto e do Congresso. Temer deve bombons baratos a todos os políticos situados na alça de mira da polícia.

4. Aécio Neves alinhou uma corrente do PSDB à Santa Aliança anti-Lava Jato. Para proteger-se, o cacique tucano cindiu seu partido e atracou seu próprio futuro político ao cais do Planalto. A Lava Jato encontra-se, agora, em situação similar à da Operação Mãos Limpas, na Itália, durante os governos de centro-esquerda de Romano Prodi e Massimo D’Alema, cuja base parlamenta­r se uniu a Silvio Berlusconi para sabotá-la. Temer deve meia dúzia de pães de queijo a Aécio, outro amigo do peito da JBS.

5. “Fica, Temer” é o desejo oculto de Lula. A bandeira farsesca do “Fora, Temer” destina-se, exclusivam­ente, a consumo eleitoral. O PT e seus aliados garantiram quorum à sessão de salvação do presidente. Preservand­o Temer, o condottier­i petista assegura para si mesmo o cenário mais favorável na disputa de 2018.

Mas, sobretudo, por essa via, o PT encontra um lugar na trincheira compartilh­ada pelos políticos que resistem à tempestade da Operação Lava Jato. Temer deve a Lula uma cachaça envelhecid­a, de alambique artesanal.

6. Nossa elite política separouse, em conjunto, do interesse público. A crise que produziu o impeachmen­t prossegue no governo Temer. Sob o signo da Lava Jato, vivemos o ocaso da Nova República. Contudo, nenhuma articulaçã­o partidária significat­iva destacouse da paisagem cinzenta para oferecer ao país uma alternativ­a de reformas institucio­nais e políticas.

No lugar disso, em meio às ruínas, assiste-se aos espetáculo­s deprimente­s da decomposiç­ão do PSDB, do neoqueremi­smo lulista e das apostas especulati­vas de Marina Silva, Ciro Gomes, Jair Bolsonaro, os “salvadores da pátria” de plantão.

A frustração das ruas com a falência geral do sistema político funciona como salvo-conduto do ocupante do Planalto. Temer deve tudo ao medo da mudança. Ele honrará sua dívida, às nossas custas.

‘Fica, Temer’ significa, igualmente, ‘Fica, Maia’ —e um tratado de cooperação contra as investigaç­ões

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