Globo faz jornalismo, não campanha contra ou a favor
Os economistas Elena Landau, Gustavo Franco e Edmar Bacha, formuladores da política econômica dos governos de Fernando Henrique Cardoso, publicaram carta aberta ao presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), pedindo que o partido deixe a base do governo de Michel Temer.
Em texto publicado nas redes sociais pouco depois da sessão na Câmara que arquivou pedido de investigação contra Temer, os economistas tucanos pedem que os quatro ministros do partido no governo entreguem seus cargos.
Landau, Franco e Bacha pedem também a renovação na direção do PSDB. Após suspeitas de corrupção, o senador Aécio Neves (MG) foi afastado da presidência nacional da sigla.
Landau disse à Folha que a carta foi uma alternativa à desfiliação dos economistas do PSDB. Os signatários manifestaram apoio à permanência de Tasso no comando do partido. Os economistas fazem críticas à aliança atual com o PMDB.
“Infelizmente, incapaz até agora de se dissociar de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT, o PSDB tem optado por deixar vazio o centro político e ético de que o país tanto precisa”, diz o documento.
Eles relatam temer o enfraquecimento do partido diante da proximidade das eleições de 2018. Dizem acreditar que o partido poderá perder protagonismo no cenário, deixando o caminho para que adversários vençam a disputa.
“Trata-se da possibilidade da eleição de um radical populista, de esquerda ou de direita, que arruinaria com as perspectivas econômicas e talvez mesmo com a democracia no país”, diz a carta sem citar nomes.
Landau presidiu o BNDES nos anos 1990, durante o período TRECHO DA CARTA das privatizações de FHC. Franco e Bacha participaram da elaboração do Plano Real. No documento, dizem acreditar que suas opiniões podem influenciar em uma mudança de orientação do partido.
Landau disse que eles são favoráveis às reformas em curso no país, como a da Previdência e a trabalhista, e que mantêm o apoio à atual equipe econômica. A divergência seria mesmo no campo da ética e nesse sentido o partido precisaria “praticar o que prega”.
“Não precisamos estar no governo para defender as reformas. O partido precisa ter coerência e não precisava ter capitaneado o relatório para arquivar a denúncia, disse Landau.
Desde que as suspeitas contra Temer vieram à tona que o PSDB está rachado. O relatório que pedia arquivamento da denúncia foi elaborado pelo tucano Paulo Abi-Ackel (MG), mas o líder do partido, Ricardo Trípoli (SP), pediu voto contrário à bancada. Dos 47 deputados, 21 votaram pela abertura de inquérito.
FOLHA
Após a leitura de “Globo derruba JN, mas perde queda de braço com Temer” (Poder, 4/8), chego à conclusão de que o colunista Nelson de Sá não respeita o jornalismo que o próprio jornal em que trabalha pratica: a Folha de S.Paulo.
Desde que a crise provocada pela delação da JBS eclodiu em 17 de maio, a Folha tem publicado tudo sobre as acusações contra Temer, num tom bastante crítico.
Publicou três editoriais, um pedindo a renúncia, outro aconselhando deputados a votar a favor da autorização para que o Supremo julgue a denúncia contra o presidente e um terceiro lamentando a decisão da Câmara.
No dia seguinte à votação, a manchete do jornal era: “Temer usa máquina, demonstra força e barra denúncia na Câmara”. Em página interna, o título era ainda mais forte: “Balcão de negócios com recurso público garante vitória governista”.
Os colunistas políticos também não mediram palavras. Um deles batizou sua coluna assim: “A vitória da mala”. A Globo jamais usou em seus telejornais manchetes tão duras, mas também cobriu a crise política iniciada com as acusações contra o presidente Temer, sem nada esconder, com isenção, como fez com as denúncias que envolveram os ex-presidentes Lula e Dilma. Uma prova de que não protege ninguém.
Nelson de Sá preferiu ignorar tudo isso e dizer que desde o dia 17 de maio a Globo e a Globo News “atiram sem intervalo contra Temer”, esquecendo-se do que a própria Folha faz.
Na versão on-line do artigo, diz que a GloboNews entrevistou Fernando Henrique Cardoso quando este pediu a saída de Temer, mas omite que a Folha publicou artigo dele antes, em 26 de junho, pedindo o mesmo (a
“incapaz até agora de se dissociar de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT, o PSDB tem optado por deixar vazio o centro político e ético de que o país tanto precisa
entrevista na GloboNews foi no dia 11 de julho).
O colunista cita um almoço rotineiro do diretor institucional do Grupo Globo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, insinuando uma conspiração inexistente, mas novamente omite que Maia sempre jurou lealdade a Temer e provou isso na votação e nos dias que a antecederam. Que conspiração?
Destaca, vergonhosamente, que o deputado Sérgio Zveiter, o relator da CCJ na Câmara, cujo parecer foi contrário a Temer, advogou, anos atrás, para a Globo, como se isso, de algum modo, pudesse ser prova de que a Globo influenciou em sua nomeação.
E por fim pergunta se, vitorioso, Temer reduzirá investimentos publicitários do governo na Globo, como se isso pudesse ter algum algum impacto no compromisso da emissora com a notícia.
A Globo tem orgulho de seus incontáveis anunciantes, porque são eles que garantem a sua independência: dependendo de muitos não depende de nenhum. Muito menos de governos, a quem nada deve, em nenhuma circunstância.
E quando o interesse público impõe, a Globo não hesita em cancelar a sua grade de programação, e os seus espaços comerciais, para bem informar os seus espectadores: foi assim no impeachment de Collor e de Dilma, foi assim na votação da denúncia de Temer, com excelente resposta da audiência, interessada no futuro do Brasil.
Se a Globo foi a única a ter essa atitude, trata-se de um mérito, não de um defeito: o interesse do país em primeiro lugar. A Globo faz jornalismo, não faz campanha, nem contra nem a favor. Em respeito ao público. Por tudo isso, essa coluna de Nelson de Sá, sem base na realidade, destoa do bom jornalismo praticado pela Folha. ALI KAMEL é diretor geral de jornalismo da TV Globo.