Folha de S.Paulo

CRÍTICA Livro só arranha a superfície ao tratar de deslizes da Uber

Bom relato sobre empreended­orismo discute pouco a cultura da empresa

- FILIPE OLIVEIRA

Quando o jornalista Adam Lashinsky contou a Travis Kalanick, ex-presidente-executivo da Uber, que iria escrever um livro sobre sua empresa, em 2014, foi desestimul­ado.

“Vou pedir a meus colegas que não cooperem com você e, se for insistente, vou encontrar outro escritor e dar a ele total acesso a nós para que compita com seu livro”, escreveu Kalanick por e-mail.

O episódio, narrado no início da tal obra, “Wild Ride” (carona selvagem, em tradução livre), parece indicar um livro promissor, que revelará de modo intenso o executivo de temperamen­to bélico que construiu uma das empresas mais valiosas do mundo em menos de uma década.

Mas, ao final do livro, a sensação é que ele proporcion­a um passeio agradável, mas pouco parecido com a aventura prometida.

Em 2016, a Uber já deixara havia algum tempo de ser vista como apenas a empresa que revolucion­ava o mercado de transporte para ser conhecida também por suas polêmicas. A transforma­ção favoreceu a mudança de opinião do empresário, que acabou topando colaborar com o livro.

O ponto forte de “Wild Ride” está em mostrar o início modesto da carreira de Kalanick, revelando seus trabalhos antes de ser empreended­or (deu aulas de inglês para estrangeir­os, fez entrevista­s por telefone e vendeu facas na juventude, por exemplo).

Ele também revela a história de suas primeiras empresas. A Scour, formada por colegas de universida­de, oferecia serviço semelhante ao Napster, permitindo a usuários compartilh­ar músicas digitalmen­te (e de graça) na web.

Como sua rival famosa, enfrentou a ira da indústria da música nos tribunais. Só resistiu ao golpe por meses.

Kalanick obteve o primeiro sucesso com sua segunda empresa, Red Swoosh, que adotava tecnologia semelhante à da anterior. A diferença é que, em vez de atender ouvintes de música, oferecia seu serviço de compartilh­amento pa- ra uso de gravadoras, justamente elas que quebraram seu negócio anterior.

Lashinsky nos conta que, entre 2001 e 2005, a empresa eram, na verdade, Kalanick e mais um engenheiro, dois clientes, um caixa esvaziado e a esperança de dar certo assim que o próximo acordo fosse finalmente fechado.

Em 2007, com melhores perspectiv­as, a start-up foi vendida por US$ 18,7 milhões.

Outra contribuiç­ão do livro é relativiza­r o mito da criação da Uber, que, reza a lenda, teria surgido de modo quase mágico em uma noite de 2008 em Paris, quando Kalanick e outro fundador da empresa, Garrett Camp, tentavam, sem sucesso, conseguir um táxi. durante uma nevasca.

Apesar de a história ter ocorrido, a importânci­a dada a ela é exagerada, aponta o jornalista. Na verdade, Camp já vinha trabalhand­o na ideia havia alguns meses, porém ela era apenas uma entre outras que tentava desenvolve­r.

Foram necessário­s quase dois anos para que Kalanick se convencess­e de que se dedicar à Uber era a melhor opção disponível. Apenas em 2010 ele se tornou presidente­executivo da companhia —o primeiro presidente foi recrutado em um post no Twitter.

E, até 2013, a companhia adotava apenas carros de luxo dirigidos por motoristas profission­ais. A inclusão dos amadores veio apenas em 2013, quando a Uber perdia mercado para ssua rival Lyft. O curioso, Kalanick temia a mudança por medo de estar violando alguma legislação. DESLIZES O livro vai bem como história de empreended­orismo, descrevend­o os primeiros dias da Uber como negócio, suas estratégia­s para vencer regulações com apoio de motoristas, passageiro­s e lobby e para crescer globalment­e.

A questão é, dada a quantidade de problemas que a Uber acumulou e levaram à renúncia de Kalanick, em junho, uma análise mais profunda do padrão de comportame­nto dele e da cultura da empresa faz falta.

Lashinsky descreve a mudança de humor da imprensa e dos consumidor­es em relação à Uber ao longo do tempo, porém mais como bom leitor de jornal do que biógrafo da empresa. Faltam investigaç­ão e análise que permitam refletir sobre as chances de regeneraçã­o da companhia.

Há frequentes, porém breves, menções a derrapadas de diversos tipos, Acusações de assédio sexual na empresa, agressivid­ade exagerada com concorrent­es, monitorame­nto de pessoas e o chilique de Kalanick quando questionad­o por motorista sobre redução de tarifas, por exemplo.

Mas quem se dispõe a ler um livro como “Wild Ride” provavelme­nte sabe de tudo isso e espera algo mais. AUTOR Adam Lashinsky EDITORA Portfolio QUANTO R$ 29,50 (235 págs.) AVALIAÇÃO bom TECNOLOGIA As Upstarts AUTOR Brad Stone EDITORA Intrínseca QUANTO R$ 54,90 (410 págs.)

Jornalista da agência Bloomberg e autor de “A Loja de Tudo”, premiado livro sobre a Amazon, analisa a trajetória da Uber e do Airbnb, discutindo seus impactos no mercado e as controvérs­ias que geraram. NEGÓCIOS Seu Sonho tem Futuro AUTORA Candice Pascoal EDITORA Gente QUANTO R$ 39,90 (224 págs.)

Fundadora do site de financiame­nto coletivo Kickante apresenta suas visões sobre empreended­orismo e dicas para quem inicia um projeto. Em pré-venda no site www.kickante.com.br. SOCIEDADE Progresso — 10 Razões para Acreditar no Futuro AUTOR Johan Norberg EDITORA Record QUANTO R$ 44,90 (252 págs.)

Historiado­r sueco avalia dados oficiais para mostrar que, apesar de sermos expostos diariament­e a notícias catastrófi­cas, houve grande avanço social nos últimos cem anos. FINANÇAS PESSOAIS Suba no Salto AUTORAS Ana Lúcia Emerich e Cida Silveira EDITORA Ser Mais QUANTO R$ 34,90 (152 págs.)

Direcionad­o a mulheres, o livro traz dicas práticas para melhorar a relação com o dinheiro. Trata de endividame­nto, planejamen­to pessoal e familiar e escolhas inteligent­es.

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Richard Perry - 4.set.2012/“The New York Times” Travis Kalanick, ex-presidente-executivo da Uber e personagem principal de ‘Wild Ride’

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