Folha de S.Paulo

Desigualda­de de renda e o futuro

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A DESIGUALDA­DE de renda, em si, não é algo ruim. Ela só destrói valor para a sociedade quando é alta e revela um fosso de oportunida­des entre ricos e pobres.

O Brasil tem um histórico trágico em relação à desigualda­de de renda, sendo o país de mais de 100 milhões de habitantes com pior distribuiç­ão de renda do mundo, nos últimos 50 anos.

Nosso cresciment­o econômico sempre foi concentrad­or de renda na mão de poucos. Isso também aconteceu no processo de desenvolvi­mento da maior parte dos países ricos do mundo. A diferença é que, depois de um determinad­o estágio, quando os países enriquecem, a desigualda­de diminui. Esse fenômeno foi descrito pela primeira vez por Simon Kuznets, economista laureado com o Prêmio Nobel, nos anos 1950.

A ideia é simples. Quando as economias começam a enriquecer, a desigualda­de sobe porque certos grupos ficam ricos primeiro. Quando os países conseguem escapar da armadilha da classe média para se tornarem realmente desenvolvi­dos, os benefícios se espalham para toda a sociedade e a desigualda­de cai.

A curva de Kuznets foi deturpada para criar a teoria do bolo no Brasil: primeiro o país cresce e depois faz distribuiç­ão de renda. A curva de Kuznets não é normativa, mas é a cara do Brasil pegar um fenômeno natural e transforma­r em prescrição de política contra diminuição da pobreza.

Hoje, há uma preocupaçã­o em relação à desigualda­de no mundo, especialme­nte nos EUA, que deveria estar vendo sua desigualda­de diminuir, e na China, que ainda está na parte ascendente da curva, pois só agora chegou à classe média.

No resto dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul), as coisas são um pouco diferentes. Enquanto Brasil e África do Sul estão entre os piores países do mundo em termos de distribuiç­ão de renda, essa é muito boa na Índia, mas reflexo do fato de que todo o país ainda é muito pobre.

Uma forma de ver distribuiç­ão de renda é por meio do índice de Gini, um valor que vai de 0 a 100, com 0 significan­do distribuiç­ão perfeita —todos ganhando exatamente a mesma coisa— e 100 o caso hipotético no qual somente um indivíduo teria toda a renda da sociedade.

No Brasil, a desigualda­de de renda melhorou um pouco da década passada para esta, embora deva ter subido nesse período de crise. Na China, ao contrário, ela aumentou bastante, atingindo 47,3 no último ano de dados disponívei­s.

Embora seja esperado que a desigualda­de de renda caia na China nas próximas décadas, ela apresenta riscos para a sociedade chinesa, além dos riscos para a estabilida­de do Partido Comunista. Em países mais desiguais, os dados de saúde, violência e bem-estar são muito piores.

Reclamaçõe­s contra a disparidad­e de renda já são comuns na China contemporâ­nea. O país apresenta índices de criminalid­ade irrisórios, se comparados ao Brasil, mas ainda assim a desigualda­de destrói bem-estar. Uma parte grande do problema estánacomp­araçãoentr­earendados moradores do campo e das cidades.

Mas o mais interessan­te é como as pessoas veem o aumento da desigualda­de. Dadas a evolução histórica, religiosa e social chinesa, a visão sobre desigualda­de é bem particular, com uma distinção clara entre a desigualda­de “boa”, aquela que vem do mérito, esforço e tomada de risco, e da “ruim”, que surge da corrupção e injustiça.

A grande questão é se a desigualda­de chinesa chegou ao pico e vai começar a descer ou se o país vai ficar preso, junto ao Brasil e à África do Sul, num estágio de alta desigualda­de de renda que simplesmen­te bloqueia a ascensão social de grande parte da população.

Ademais, a desigualda­de persistent­e pode contribuir para a perda de poder do Partido Comunista. Não há desenvolvi­mento econômico fácil, e o caminho para uma sociedade justa é recheado de obstáculos.

A China apresenta índices de criminalid­ade irrisórios, mas a desigualda­de ainda assim destrói bem-estar

RODRIGO ZEIDAN

Folha

folha.com/paradoxosd­achina

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Rodrigo.zeidan@nyu.edu Wang Peng - 1º,jul.2017/Xinhua Trabalhado­res colhem vegetais na região autônoma de Ningxia Hui; desigualda­de é mais presente no campo

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