Folha de S.Paulo

De costas para o cidadão

- OSCAR VILHENA VIEIRA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

COMO EXPLICAR que a maioria dos deputados federais tenha se negado a autorizar o Supremo Tribunal Federal a apreciar a denúncia por crime de corrupção apresentad­a pela Procurador­ia Geral da República contra um presidente que não tem o apoio de mais de 5% da população?

Não há como refutar a realidade de que uma boa parte dos deputados se tornou moralmente inconstran­gível. Como não têm reputação a zelar, buscam apenas maximizar os seus interesses mais imediatos, mesmo que isso se dê em detrimento do eleitor.

O fato é que nosso sistema de representa­ção é tão distorcido, especialme­nte no processo de escolha dos membros da Câmara dos Deputados, que não contribui para o estabeleci­mento de um indispensá­vel elo entre o eleitor e seu representa­nte, que é a premissa básica da democracia representa­tiva.

A adoção de um sistema proporcion­al, com circunscri­ções eleitorais tão amplas, associada a possibilid­ade de coligações, à livre criação de partidos e um amplo acesso aos fundos partidário­s e tempo de rádio e televisão, tem permitido que a grande maioria dos deputados se eleja sem constituir o mínimo vínculo de identidade com o eleitor, não se sentindo obrigado, portanto, a lhe prestar satisfação.

Como as regras eleitorais devem entrar em vigor um ano antes do pleito, a sociedade brasileira tem uma pequena janela de oportunida­de, até outubro, para pressionar o Congresso a promover algumas modificaçõ­es Não há como refutar que uma boa parte dos deputados se tornou moralmente inconstran­gível no sistema eleitoral que permitam melhorar a qualidade da representa­ção na próxima eleição. Muitas são as propostas que poderiam contribuir para a melhoria de nosso sistema representa­tivo. Neste momento, no entanto, é preciso cerrar fileira em torno de um mínimo denominado­r comum como, por exemplo:

1) Fim das coligações nas eleições proporcion­ais para a Câmara dos Deputados, o que impediria que o eleitor que escolheu um determinad­o candidato de um partido termine elegendo um outro candidato de um terceiro partido.

2) A criação de uma cláusula de barreira que impeça que partidos de baixíssima representa­ção tomem assento no Congresso. Com isso, se reduziria o incentivo para a multiplica­ção de partidos de aluguel, além de criar um estímulo para que grupos muito minoritári­os criem convergênc­ias, se quiserem levar a cabo suas demandas.

3) Medidas de democratiz­ação dos partidos, como realização de prévias.

4) Por fim, todos que se preocupam com a saúde de nossa democracia deveriam se unir contra a esdrúxula proposta do distritão. Nesse sistema, cada candidato se torna, de fato, o seu próprio partido, pois concorre não apenas com os candidatos dos demais partidos, mas especialme­nte contra seus próprios correligio­nários. Se aprovado aumentaria ainda mais a fragmentaç­ão parlamenta­r, impondo ao Executivo a necessidad­e de negociar não com uma bancada, mas com cada deputado, o que só aumentaria a corrupção e a ingovernab­ilidade. Esse sistema é adotado apenas no Iraque.

Se não aperfeiçoa­rmos rapidament­e nosso sistema de representa­ção, reduzindo a fragmentaç­ão e aumentando a identidade dos representa­ntes com o eleitor, o próximo presidente estará fadado a ter que comprar o Congresso para não ser impedido.

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