Folha de S.Paulo

No Alasca, geleiras escancaram impacto de mudanças climáticas

Hoje, 95% das mais de 100 mil geleiras do Estado americano estão diminuindo ou estagnadas

- ISABEL FLECK ↳

Vegetação que ficava sob o gelo tem liberado mais CO2 e vilas do litoral estão sob risco de erosões ou inundação

Três meses antes de assinar o Acordo de Paris, em 2015, o então presidente Barack Obama posou para as câmeras diante da geleira Exit, num parque nacional em Seward, no Alasca, para falar sobre a importânci­a de combater o aqueciment­o global.

“Queremos ter certeza de que nossos netos vejam isso”, disse. Em 2015, a geleira, que fica sobre uma montanha, já havia retrocedid­o dois quilômetro­s desde 1815. Só no último ano, havia diminuído 41 metros em sua extensão.

O Alasca foi escolhido por Obama para o seu esforço final antes da Conferênci­a do Clima de Paris justamente por ser o Estado americano em que os impactos do aqueciment­o do planeta são mais perceptíve­is. Quatro meses depois de assumir o poder, Donald Trump retiraria os EUA do acordo global.

“Aqui o efeito é bastante visual: você vê a retração das geleiras, a degradação do permafrost [área de solo que fica congelada permanente­mente]. É difícil lutar contra o argumento de que antes a geleira estava ali e agora não está mais”, diz Martin Truffer, físico especialis­ta em geleiras da Universida­de do Alasca em Fairbanks.

Espalhadas pelo parque, que foi visitado pela reportagem, há placas com anos, mostrando toda a extensa área que era ocupada pela geleira Exit naquela época. A marcação assustador­amente começa onde hoje é a estrada de acesso ao parque.

A retração não é exclusivid­ade do parque em Seward, no centro-sul do Alasca. Segundo o Serviço Nacional de Parques, das mais de 100 mil geleiras do Estado, 95% estão atualmente diminuindo de tamanho ou estagnadas.

Dados da agência federal de pesquisa geológica dos EUA (USGS), mostram que as geleiras do Alasca perdem hoje 75 bilhões de toneladas de gelo por ano —um quadro muito mais acelerado que na década de 50.

Truffer explica que, no caso da maioria das geleiras do Alasca, que estão sobre as montanhas, a única justificat­iva para a retração é o aqueciment­o global.

“As geleiras em oceanos têm sua própria dinâmica, que as faz retroceder e expandir. Mas nas geleiras mais simples, como as do Alasca, o que importa é o quanto elas recebem de neve e o quanto derretem, coisas que são influencia­das pela temperatur­a.”

Segundo o especialis­ta, há variações sazonais, e portanto uma possível expansão das geleiras no inverno, mas a mudança é quase imperceptí­vel ao olhar.

Estudos recentes mostram o impacto das mudanças climáticas além das geleiras. Pesquisado­res da Universida­de Harvard publicaram levantamen­to neste ano que revela que as emissões de gás carbônico pela tundra na encosta norte do Alasca cresceu 70% entre os meses de outubro e dezembro, desde os anos 70.

A tundra é a vegetação que fica sob o gelo nas áreas de permafrost. Com as temperatur­as mais altas, uma maior parte dessas áreas tem descongela­do e demorado mais para congelar novamente no fim do outono. Sua exposição maior permite a respiração das plantas e decomposiç­ão orgânica, que liberam CO2.

Outro impacto é visto em vilas litorâneas do Alasca. Segundo o governo, pelo menos 31 delas —geralmente ocupadas por comunidade­s nativas— estão sob risco de inundações ou erosões por conta do aumento no nível do mar.

Truffer observa que o derretimen­to das geleiras do Alasca tem impacto direto sobre os ecossistem­as e a rede hidrográfi­ca locais, mas não influencia no aumento do nível do mar.

“Perto das geleiras, o nível do mar, na verdade, está baixando. E a razão é porque o gelo ‘afunda’ a terra, e quando ele vai embora, essa terra se eleva novamente”, diz.

O especialis­ta admite que, apesar de o Alasca apresentar mudanças mais “óbvias”, o impacto econômico é muito maior com o aumento do nível do mar na Flórida. “Mas talvez não impacte tanto as pessoas no Alasca porque também não temos tanta gente assim”, diz Truffer, rindo.

A maior exposição da tundra, vegetação que geralmente fica sob o gelo, permite a respiração das plantas e decomposiç­ão orgânica, que levam à liberação de CO2

 ?? Isabel Fleck/Folhapress ?? Turistas observam a geleira Exit, em parque nacional em Seward, no Alasca (EUA); placa à esquerda aponta até onde o gelo chegava em 2005
Isabel Fleck/Folhapress Turistas observam a geleira Exit, em parque nacional em Seward, no Alasca (EUA); placa à esquerda aponta até onde o gelo chegava em 2005

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