Folha de S.Paulo

Tratamento de atriz ‘reinicia’ o sistema imune

- LETÍCIA NAÍSA

Eu fazia a peça “Monólogos da Vagina”, no teatro Tom Brasil. Estava atuando quando senti o braço dormente. Saí do palco e falaram que eu estava infartando.

Fui levada para um hospital em São Paulo, onde apaguei, dormi até o dia seguinte. Quando voltei para o Rio de Janeiro, descobri que era esclerose múltipla.

Quando o médico me deu essa notícia, eu falei: “Doutor, são quantas?”. Ter esclerose é uma coisa, múltipla ainda! Tenho uma piada em que falo que esclerose múltipla é coisa de rico. Se fosse de pobre, seria esclerose única.

Recebi o diagnóstic­o em 2000, quando tive meu primeiro sintoma. Fiz o seriado “A Diarista” com esclerose, “Sai de Baixo”, peças, novela. Recebi o diagnóstic­o, mas estava boa.

Não senti mais nada até 2007, quando veio um surto; desmaiei, tive tontura, falta de memória. Ainda hoje tenho desequilíb­rio e tremor nas mãos, mas os meus olhos estão voltando ao normal [ela teve desvio ocular, uma falha no comando dos movimentos dos olhos, depois de um surto em 2015].

Era um assunto em que eu não gostava de tocar, não queria falar porque não queria ter essa visibilida­de. Ninguém sabia o que era a doença, mas os jornalista­s descobrira­m que eu tinha e divul- garam. Agora a esclerose múltipla está famosa. Acabei virando exemplo, e muita gente vem conversar comigo. Acho que tenho essa obrigação de ajudar.

Comecei a fazer tratamento mesmo em 2010, mas só aceitei a doença em 2013. Fiz o transplant­e de células-tronco em 2015. O mérito é totalmente da minha empresária, a Adriane Bonato, que o descobriu nos Estados Unidos.

Agora estou em tratamento na Cevisa (Centro Médico de Vida Saudável), em Engenheiro Coelho (144 km a noroeste de São Paulo).

Virei vegetarian­a, não como nada de açúcar, nem glúten. Nunca mais vou comer chocolate que nem uma louca, como antes. E justamente do que eu mais gosto é sorvete e chocolate.

No “Caça-Talentos” [programa que fazia com a apresentad­ora Angélica], eu tinha que comer em cena, e comia muito. Teve uma época em que pesei 63 quilos e estava ficando ridícula, parecendo um botijão de gás.

Hoje, na clínica, tenho rotina muito pesada. Faço ginástica, natação. Sou formada em educação física e adoro esporte, dei aula de natação para crianças e adultos.

Quando eu tinha vontade de ser linda, gostosa e grande, eu malhava. Depois tive que abrir mão da educação física para ser atriz.

Atuar pra mim vem primeiro, depois vem o esporte. Mas gosto tanto que vejo qualquer jogo, futebol, basquete, vôlei. Fui campeã intercoleg­ial de handebol, com esse tamanho todo. Joguei muito bem, eu me achava. Uma vez saí na capa de um jornal porque eu, a pivô de apenas um metro e meio, arrumei confusão.

O esporte está me ajudando a melhorar. Eu estava andando com andador e hoje não preciso mais, uso só uma bengala às vezes. Estou fazendo todo tipo de tratamento que aparece. Claudinha é sempre a primeira da fila porque é a menor.

Adoro trabalhar, quero voltar para o humor. Estou com projetos, vou encenar uma peça com minha filha (Iza Rodrigues, 15), será a estreia dela como atriz. Ela escreveu a própria personagem.

DA EDITORIA DE TREINAMENT­O

Caro e recomendad­o por médicos apenas em casos extremos, o transplant­e de células-tronco realizado no caso da atriz Cláudia Rodrigues é uma forma de “resetar” o sistema imune do paciente.

Trata-se da destruição das células brancas e da medula óssea (que produz essas células) por meio de quimiotera­pia. Além disso, há uma indução, com drogas, da produção de células-tronco —capazes de se transforma­r em outras.

No caso, a proposta é que elas se transforme­m em células brancas (do sistema imunológic­o).

A expectativ­a é que as novas células brancas não tenham “memória” do que as levava a atacar o sistema nervoso central, como acontece na esclerose múltipla. O procedimen­to é feito em hospital e há risco de infecção grave e hemorragia.

De acordo com Rodrigo Thomaz, neurologis­ta do hospital Albert Einstein e responsáve­l pelo tratamento da atriz, não é um método indicado para qualquer um com a doença. “Muitos pacientes respondem ao tratamento convencion­al”, afirma Thomaz.

O tratamento não cura: a ideia é que a doença fique controlada. Para Nelson Hamerschla­k, hematologi­sta do Einstein, um em cada quatro pacientes apresenta melhora. Os demais, ficam estáveis ou pioram.

A proposta chegou ao Brasil por meio de uma parceria do Einstein e do HC de Ribeirão Preto há pouco mais de dez anos —os dois hospitais realizam o procedimen­to. Na rede privada, custa de R$ 150 mil a R$ 400 mil, segundo Hamerschla­k.

A estratégia é que o método auxilie o organismo a se recuperar.

No caso de Claudia, houve melhora na fala e na mobilidade. O tratamento da atriz também inclui fisioterap­ia e fonoterapi­a, entre outros. (ALLINE MAGALHÃES E LETÍCIA NAÍSA)

 ?? Marcelo Justo/Folha Imagem ?? A atriz Claudia Rodrigues, 47, que quer voltar a atuar e planeja encenar peça de teatro ao lado da filha, Iza Rodrigues
Marcelo Justo/Folha Imagem A atriz Claudia Rodrigues, 47, que quer voltar a atuar e planeja encenar peça de teatro ao lado da filha, Iza Rodrigues

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil