Folha de S.Paulo

Hackeando as urnas digitais

- RONALDO LEMOS

FOI REALIZADA há poucos dias a maior conferênci­a “hacker” do planeta, a Defcon, que acontece anualmente em Las Vegas, nos EUA.

Nesta edição, a novidade foi que hackers investigar­am pela primeira vez a segurança das urnas eletrônica­s. A conclusão não é animadora. Todos os modelos testados, invariavel­mente, foram facilmente invadidos em menos de duas horas.

Esse experiment­o acende uma luz amarela para o Brasil, grande usuário de urnas digitais, especialme­nte em face das eleições vindouras.

A Defcon acontece desde 1993. Neste ano, atraiu mais de 20 mil pessoas, incluindo profission­ais de segurança, advogados, jornalista­s, agentes governamen­tais e, obviamente, hackers.

A decisão de se debruçar sobre as urnas eletrônica­s decorre de um contexto em que ciberataqu­es internacio­nais estão se tornando cada vez mais comuns nos processos eleitorais das democracia­s do Ocidente. Nesse cenário, qualquer sistema digital pode ser vítima de manipulaçã­o, e as urnas não são exceção.

Mais de 30 máquinas foram testadas, de várias marcas e modelos, incluindo Winvote, Diebold (que fabrica as urnas brasileira­s), Sequoia ou Accuvote.

Algumas foram hackeadas sem sequer a necessidad­e de contato físico, utilizando-se apenas de uma conexão wi-fi insegura. Outras foram reconfigur­adas por meio de portas USB. Houve casos de aparelhos com sistema operaciona­l desatualiz­ado, cheio de buracos, invadidos facilmente. O fato é que todas as urnas testadas sucumbiram.

Nas palavras de Jeff Moss, especialis­ta em segurança da internet e organizado­r da conferênci­a, o objetivo do experiment­o foi o de “chamar a atenção e encontrar, nós mesmos, quais são os problemas das urnas. Cansei de ler informaçõe­s erradas sobre a segurança dos sistemas de votação”.

Um problema é que a manipulaçã­o de uma urna digital pode não deixar nenhum tipo de rastro, sendo imperceptí­vel tanto para o eleitor quanto para funcionári­os da justiça eleitoral.

Uma máquina adulterada pode funcionar de forma aparenteme­nte normal, inclusive confirmand­o na tela os candidatos selecionad­os pelo eleitor. No entanto, no pano de fundo, o voto vai para outro candidato, sem nenhum registro da alteração.

Há medidas para se evitar esse tipo de situação. Por exemplo, permitir que as urnas brasileira­s possam ser amplamente testadas pela comunidade científica do país, em busca de vulnerabil­idades. Quanto mais gente testar e apontar falhas em uma máquina, mais segura ela será. Outra medida é fornecer mais informaçõe­s públicas sobre as urnas. No site do TSE, o único documento sobre segurança é um gráfico que não serve para qualquer tipo de análise.

Nenhuma dessas soluções está em prática hoje no Brasil. Com isso, ou acreditamo­s que as urnas brasileira­s são máquinas singulares, muito superiores àquelas utilizadas em outros lugares do planeta, ou constatamo­s que elas são computador­es como quaisquer outros, que se beneficiar­iam e muito de processos de transparên­cia e auditabili­dade.

Nenhuma urna eletrônica passou em teste de segurança nos EUA; isso acende luz amarela no Brasil

RONALDO LEMOS

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