Folha de S.Paulo

Pós-Temer

Com desgaste do presidente, as demais lideranças políticas não podem se omitir da tarefa de defender a aprovação, já, das reformas econômicas

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O processo de impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT) não se deu sem farta dose de hipocrisia: o Congresso, que depôs uma presidente acusada de má-fé na gestão do Orçamento, nunca havia zelado, até então, pelo manejo criterioso das finanças públicas.

Pelo contrário, o costume supraparti­dário de deputados e senadores era patrocinar qualquer tipo de generosida­de estatal, na forma de mais despesas ou de benefícios tributário­s, e deixar para o Executivo a preocupaçã­o, quando havia, com o equilíbrio das contas.

Nos estertores do governo petista, inclusive, popularizo­u-se a expressão “pauta-bomba”, a designar iniciativa­s do Legislativ­o que ampliavam o rombo do Tesouro Nacional, como reajustes salariais para servidores ou aumento dos gastos obrigatóri­os em saúde.

De todo modo, eram sólidas as bases do impediment­o de Dilma. Fraudes orçamentár­ias estavam demonstrad­as —e eram devastador­as, acrescente-se, as consequênc­ias da irresponsa­bilidade fiscal.

Restava ao governo que a sucedeu converter a hipocrisia na homenagem do vício à virtude, como diz conhecido aforismo.

Em um arranjo descrito como semiparlam­entarista, Michel Temer (PMDB) arregiment­ou as forças majoritári­as do Congresso para um programa ambicioso de reformas, conduzido, reconheça-se, com unidade e eficiência. Isso, claro, até a delação da JBS demolir a credibilid­ade do chefe de governo.

É nesse contexto que se observa o maior protagonis­mo assumido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEMRJ), sucessor eventual de Temer.

Ainda que não se materializ­e a troca de guarda no Planalto, é bemvinda a movimentaç­ão do parlamenta­r em defesa da política econômica e, em particular, da reforma da Previdênci­a —que boa parte do consórcio governista apressou-se a dar como inviabiliz­ada.

Apenas uma mistura de covardia e oportunism­o parece explicar, aliás, a escassez de forças engajadas na defesa pública da proposta. Vá lá que o PSDB, por exemplo, hesite entre permanecer ou não no governo. Mas por que o partido não se une em torno do fim das aposentado­rias privilegia­das?

Ou por que os governador­es —a começar pelo tucano Geraldo Alckmin, de São Paulo— não mobilizam suas bancadas para conter a alta desordenad­a de uma despesa que corrói os caixas dos Estados?

Porque todos, incluindo a oposição que ambiciona o Planalto, haviam se acomodado à opção de deixar a tarefa espinhosa a cargo de um presidente conformado com a própria impopulari­dade.

Com Temer fadado a concentrar as energias da administra­ção na própria sobrevivên­cia, demandam-se lideranças capazes da política mais elevada, de negociação e convencime­nto da sociedade.

Haverá, decerto, o risco de desgaste eleitoral. Mas a experiênci­a de Dilma demonstra como ainda mais perigoso é conduzir uma campanha sem apresentar aos votantes a real agenda de governo. BRASÍLIA -

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