Folha de S.Paulo

Crise gera defesa de limites para reeleição

Na esteira da Lava Jato, especialis­tas propõem um número máximo de mandatos consecutiv­os no Legislativ­o

- THAIS BILENKY

Incomum, prática é criticada por tirar autonomia do eleitor; professor defende fim de vantagens do cargo

Alessandro Molon nasceu em 1971, passou a infância no Rio, fez duas faculdades e um mestrado. Casou, teve dois filhos, candidatou-se a a prefeito. Em 2010, aos 39 anos de idade, foi eleito pelo PT para seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados.

Durante todo esse tempo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) foi deputado federal. Na Câmara desde 1971, elegeu-se para 11 mandatos consecutiv­os, até 2015. Entrou com 22 anos, saiu com 66.

Alves está hoje preso em decorrênci­a da Operação Lava Jato. Molon se filiou à Rede Sustentabi­lidade.

A longevidad­e da carreira parlamenta­r de réus do colarinho branco reforçou a defesa da limitação da reeleição no Poder Legislativ­o.

“A reiteração de mandatos seguidos gera uma rede de contatos, um clientelis­mo, um enraizamen­to nefasto”, disse o promotor Roberto Livianu, presidente do instituto Não Aceito Corrupção. “São criados tentáculos danosos ao espírito republican­o.”

Sem imposições legais, partidos tomaram a iniciativa de inibir a perpetuaçã­o no Legislativ­o, nenhum a tempo de se conferir sua efetividad­e.

O Novo, criado em 2011, veda mais de uma reeleição consecutiv­a a cargo legislati- vo. A Rede, registrada em 2015, permite mais de uma reeleição consecutiv­a desde que os filiados aprovem cada caso em plebiscito.

O PT, depois do mensalão, colocou a questão em pauta. Aprovou, em 2010, regra proibindo mais de três mandatos consecutiv­os no mesmo nível para valer a partir de 2014. O ex-presidente da sigla Rui Falcão (SP) queria restringir a dois mandatos, mas foi voto vencido. “Para não cristaliza­r. Senão, vira uma profissão”, justificou. RENOVAÇÃO A cada eleição, há pelo menos duas décadas, mais da metade dos 513 deputados federais consegue permanecer onde está. Em 2014, a renovação foi de 38,6%, com a eleição de 198 novatos.

Em Casas estaduais e municipais, o cenário não é diferente. Em SP, a Assembleia teve seu pior índice de renovação na última eleição, três anos atrás, com a recondução de 62 dos 94 membros.

A Câmara paulistana mudou 22 dos 55 vereadores em 2016, apesar do mote antipolíti­co da disputa eleitoral.

Na ocasião, Arselino Tatto (PT) foi eleito para o sétimo mandato consecutiv­o (desde 1988). Seu irmão Jair, para o segundo. Outros Tatto estão na Alesp (Enio) e na Câmara (Nilto). O reduto da família, na zona sul, ficou conhecido como Tattolândi­a.

“O sujeito aprende como retirar recursos do Estado para favorecer unicamente a região que lhe dá votos. O mandato tende à ‘curralizaç­ão’”, criticou o cientista político Carlos Melo, do Insper. “Esse negócio é tão grave que o sujeito fica 40 anos em determinad­o posto e quando sai é o filho que assume”, afirmou.

“Se limitar a dois mandatos em cada nível, serão décadas de atividade política, sempre crescendo, sem acomodação e, o melhor, sem criar feudos”, concluiu.

Quando frustram o eleitorado tradiciona­l, alguns mudam de domicílio. José Sarney (PMDB) havia sido deputado três vezes, governador uma e senador duas pelo Maranhão até assumir a Presidênci­a. Saiu com baixa popularida­de, transferiu sua base para o Amapá e se elegeu três vezes para o Senado. CONTROVÉRS­IA A prática não é consensual. Não foi implementa­da por democracia­s consolidad­as como a americana ou a alemã, argumentam críticos —Costa Rica e México adotaram-na.

“A essência da ‘accountabi­lity’ [responsabi­lização] é a possibilid­ade de premiar ou punir desempenho­s”, observou o cientista político Marcus Melo, da Universida­de Federal de Pernambuco.

“A proposta me parece um contrassen­so total. O que faz sentido são medidas que reduzam as vantagens dos incumbente­s como fundos partidário­s bilionário­s”, disse.

O ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), licenciado de seu segundo mandato consecutiv­o na Câmara, criticou “alguns setores que gostam de induzir a renovação pela proibição”. “Com mecanismos artificiai­s, o sujeito não pode [disputar], bota a mulher, o filho. Você distorce o sistema”, disse.

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