Folha de S.Paulo

Não sei por quê. Não é algo que permita qualquer grau de displicênc­ia ou tranquilid­a-

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Folha - Os mercados parecem calmos hoje, apesar das incertezas na política e das dificuldad­es na economia. Por quê?

Armínio Fraga - Há gente nervosa, mas ninguém em pânico. As condições externas são favoráveis. O dinheiro está queimando na mão das pessoas lá fora, com juro muito baixo. O Brasil continua com juro alto, apesar da queda recente, o que atrai capital.

Além disso, existe a percepção, a meu ver bastante correta, de que as instituiçõ­es do país estão funcionand­o. E o balanço de pagamentos também deu uma guinada enorme, o que dá certo conforto.

Apesar da confusão, o governo vem conseguind­o manter viva alguma margem para a aprovação de reformas. Provavelme­nte, o que o mercado embute nas expectativ­as hoje é um 2018 tranquilo. Mas tenho receio de esse quase consenso não ser tão firme assim. O que pode desencadea­r a tempestade é a política?

A política e as eleições. Existe a expectativ­a de que uma solução seria algo ao centro, antipolíti­ca, vindo de fora. Fala-se na ideia de procurar alguém como [o presidente francês, Emmanuel] Macron.

Mas é certo que, mesmo que surja alguém sem o histórico difícil que muitos do mundo político têm, não vai acontecer no Brasil uma guinada tão grande na composição do Congresso. O Brasil velho continuará lá, superbem representa­do, o que vai dificultar. Dificultar o quê?

O trabalho de quem quer que venha a ser eleito. Mesmo se o Brasil evitar os extremos no espectro de candidatos, será necessário que o próximo governo tenha um alto grau de competênci­a e mobilizaçã­o, muito pouco plausível. O que assustaria o mercado?

Se [o próximo governo] não vier com algo muito bem fundamenta­do na gestão da economia, pode trazer um problema enorme. A dívida pública, mesmo com todas essas reformas aprovadas, o que não é certo que aconteça, vai estar na Lua, indo para 95% do PIB. Ninguém parece muito preocupado com isso hoje em dia. de. Vejam o que está acontecend­o com o investimen­to. Está abaixo de 14% do PIB. A gente tinha que estar investindo o dobro disso para crescer, porque nossas carências são enormes. A calmaria dá ao Brasil tempo, mas só isso.

Até acho que vem uma recuperaçã­o por aí, com a queda dos juros e certa tranquilid­ade que vem desde o impeachmen­t de Dilma [Rousseff]. Com certeza a saída dela ajudou muito. Mas não será aquela recuperaçã­o espetacula­r enquanto não houver clareza em relação ao que vem por aí. A crise política e a recessão prolongada estimularã­o candidatur­as de perfil populista?

Um discurso de honestidad­e e segurança irá muito longe. Na área econômica, a base do discurso de todos deverá ser colocar a economia nos trilhos. Todos sempre dizem que tudo é possível, ninguém faz as contas e a vida segue.

Nossos governos estão muito fragilizad­os do ponto de vista financeiro. O Estado do Rio vive situação dramática, e vários outros estão muito mal. A fragilidad­e financeira limitará o próximo presidente?

Quem chegar terá que tomar medidas emergencia­is e rever muita coisa. A Previdênci­a terá que ser rediscutid­a, e existem muitas outras questões ligadas ao tamanho e à qualidade do Estado. Tudo isso com o Congresso ainda em boa parte com a cabeça do Brasil velho, que deu errado.

A estratégia [do atual governo] de promover um ajuste fiscal gradual é pragmática. Provavelme­nte acharam que era o que dava para fazer, mas ela só posterga o desafio.

Não devemos ter medo. Um ajuste bem-feito, radical, provavelme­nte aumentaria nossa capacidade de crescer. Daria muito mais espaço para o Banco Central baixar os juros e alongaria os horizontes, destravari­a muito o investimen­to. Os gargalos existentes em áreas como a infraestru­tura podem travar a recuperaçã­o?

Eles existem, mas também podem atrair investimen­to. Arrisco dizer que, num país arrumado, o cresciment­o teria como locomotiva o investimen­to. Esse tipo de pressão seria um luxo comparado com o que vemos hoje. Qual a vantagem de estar cortando juros porque o país está em depressão? Não adianta nada. A revisão da meta fiscal deste ano causará dano à credibilid­ade da equipe econômica? O impacto da Operação Lava Jato sobre grandes empresas como a Odebrecht e a JBS servirá para impor um novo padrão de relacionam­ento entre o poder econômico e o Estado?

Vai ficar mais difícil voltar ao que havia, mas a tentação sempre existirá. Boa parte do empresaria­do esteve na cama com vários governos, especialme­nte esses mais recentes. Por serem mais centraliza­dores, levaram esse jogo a um patamar nunca visto antes.

Acredito que revelações e punições daqui para a frente funcionarã­o como um freio. É um boa consequênc­ia dessa tragédia. Mas tem que tirar do

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