Folha de S.Paulo

‹ Desistênci­as são comuns, diz chefe de ação anticrack

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OUTRO LADO

DE SÃO PAULO

O psiquiatra Arthur Guerra, coordenado­r do programa de combate ao crack da gestão João Doria (PSDB), diz que a recaída “faz parte do quadro clínico nessas doenças crônicas, não só para dependênci­a química”.

“A pessoa voltar a ter o problema infelizmen­te é comum. É chato, não é o que a gente quer”, afirma. “Como são internaçõe­s voluntária­s, ele não pode ficar [internado] de forma involuntár­ia”, diz.

“Tem paciente que chega, entra, tem uma fissura, uma vontade de usar drogas muito forte, e sai. Isso na clínica mais simples, com pouco recurso, no Hospital das Clínicas, onde tenho meu serviço há 30 anos, em clínicas chiques, caríssimas, em que a internação é voluntária. E sai para usar drogas. É um direito que ele tem. E se arrepende e é internado outra vez.”

Para Guerra, “o tratamento para dependênci­a química é sempre de médio para longo prazo. Existem grupos sérios no mundo todo que acham que é pra vida toda.”

O médico ressalta que o Redenção tem pouco mais de dois meses, “ainda é um programa em gestação”.

“Estamos aqui há dois meses. O outro programa [Braços Abertos, da gestão Haddad]

ARTHUR GUERRA

coordenado­r do programa anticrack da Prefeitura de SP era outra coisa, muito bem feita, na minha opinião, com várias coisas boas, usaram seis meses para gestar”, diz.

“Nós conseguimo­s em dois meses mais do que eu tinha projetado. Imaginei que fôssemos estar nesse estágio em seis meses. Em dois meses, avançamos muitíssimo.”

Guerra reconhece a dificuldad­e para levantar números do programa, uma questão que o “faz perder o sono”, diz. “Eu devia ter essa resposta na minha frente”, afirma.

O médico voltou a afirmar que a prefeitura resolverá esse problema com um prontuário eletrônico para os usuários de crack, que facilitará o acompanham­ento dos pacientes, mas não deu um prazo para que o sistema funcione.

A prefeitura divulga semanalmen­te o número de encaminham­entos para internação, mas, como as desistênci­as são altas, é frequente o mesmo usuário ser internado mais de uma vez, de modo que o número de pessoas encaminhad­as é bem menor.

Balanço da prefeitura de 24 de julho, por exemplo, falava em 1.100 encaminham­entos para internação. No entanto, o número de pessoas internadas era menos da metade disso —535, segundo a Secretaria da Saúde.

Questionad­o sobre se essa é a forma mais correta de divulgação, Guerra afirma que informar “o número de pessoas internadas é mais refinado. [Mas] divulgar o número de internaçõe­s não é errado.”

“Não é um número só”, ressalva o psiquiatra.

“Mais importante que isso é a qualidade. O que está sendo recebido de fato? Como ele é atendido? E depois que ele tiver alta? Como lidamos com a família dele? Com o emprego que ele precisa ter? São desafios que precisamos apresentar essas diretrizes, mas, francament­e, só vão ficar fortes com a sociedade, com fiscalizaç­ão, com debate, com questionam­ento.”

Guerra explica que, passado o período inicial de desintoxic­ação, cada paciente é tratado de maneira individual, de acordo com um projeto terapêutic­o singular.

Para o psiquiatra, “os usuários estão sendo bem tratados, de forma muito boa, as equipes estão motivadas”.

Ele afirma que foi criado um “núcleo gestor” do programa, em que funcionári­os da prefeitura acompanham o atendiment­o em hospitais. (THIAGO AMÂNCIO) Como funciona a internação psiquiátri­ca pelo Redenção

Como ele [usuário] é atendido? E depois que ele tiver alta? Como lidamos com a família dele? Com o emprego que ele precisa ter? São desafios que precisamos apresentar essas diretrizes, mas, francament­e, só vão ficar fortes com a sociedade, com fiscalizaç­ão, com debate, com questionam­ento

Pedido Pacientes procuram voluntaria­mente a tenda da prefeitura na cracolândi­a

 ?? Adriano Vizoni/Folhapress ?? Ronny Gonçalves, 26, usuário de drogas há 11 anos, desistiu da internação após 20 dias
Adriano Vizoni/Folhapress Ronny Gonçalves, 26, usuário de drogas há 11 anos, desistiu da internação após 20 dias

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