Viciado teve de pedir alta só para tratar infecção
DE SÃO PAULO
“É aqui que vem para ser internado?”, pergunta um morador de rua enquanto puxa uma cadeira na tenda do programa Redenção, na região cracolândia, centro de São Paulo. “Precisa de documento?”, diz, ao receber a confirmação.
“Precisa só de paciência”, responde João (nome fictício), que esperava no local desde o começo da manhã, sem comer.
João, na verdade, só queria voltar ao hospital psiquiátrico de onde saiu dias antes. Lá os funcionários descobriram que ele foi mordido por cachorros de rua e que precisaria consultar um infectologista —que não havia no local.
Ele precisou pedir alta e ir, por conta própria, ao Instituto de Infectologia Emilio Ribas, na zona oeste. Como fez para chegar lá? “Isso é o de menos, a gente da rua dá um jeito”, afirma.
Ronny Wesley Gonçalves, 26, também pediu para sair. Ele usa drogas há 11 anos, mas cansou dessa vida. “Chega de dar desgosto para minha mãe”. No mês passado, foi internado para desintoxicação no hospital São João de Deus, mas desistiu 20 dias depois.
“Minha mãe não conseguia me visitar, e eu precisava buscar roupa”, diz Gonçalves, que afirmou não precisar de mais do que “umas horas” entre o pedido para deixar a instituição, na zona norte de SP, e o momento em que saiu de lá caminhando.
“Quando eu cheguei em casa, minha mãe disparou a chorar”, disse o usuário, enquanto tentava ser internado de novo. Ele passou o dia esperando na tenda do Redenção, e até o meio da tarde ainda não sabia se conseguiria ser internado —os usuários dependem da disponibilidade dos leitos e de ambulâncias do Samu para levá-los às clínicas conveniadas.
A Folha ouviu uma série de usuários de drogas na cracolândia e muitos já tinham sido internados para desintoxicação e desistiram pelos mais diversos motivos, que vão desde a alegada falta de estrutura dos hospitais até por vontade de usar drogas.
Para Mauro Aranha, do conselho de medicina, isso mostra que o Redenção ainda “não está suficientemente estruturado para que as pessoas internadas não voltem às drogas e à cracolândia”.
“O que a gente quer é a sustentabilidade da atenção. Desde o tratamento médico até a reabilitação psicossocial. Porque se não eles vão sair da internação e voltar à cracolândia”, diz o psiquiatra. “Não dá para ser midiático numa situação que é estrutural.” (TA)