Folha de S.Paulo

12ª MOSTRA MUNDO ÁRABE DE CINEMA

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“Onde é o Brasil, papai?”, pergunta o garoto. “Longe”, responde o pai, em um pedregoso vilarejo libanês. “É tão grande quanto o nosso país?”. “Mil vezes maior.”

O diálogo dá início ao longa “Ila Ayn” (1957), de Georges Nasser, que concorreu em Cannes com “O Sétimo Selo” de Ingmar Bergman.

O filme sobre a migração de um libanês ao Brasil é exibido pela primeira vez no país nesta quarta (9), na estreia da 12ª edição da Mostra Mundo Árabe de Cinema, organizado pelo Instituto da Cultura Árabe.

“Ila Ayn” —“Para Onde Ir?”, em português— é um dos destaques desse evento, que estabelece neste ano um vistoso diálogo com o Brasil.

O enredo toca, pois se parece com as trajetória­s de diversas famílias brasileira­s. Foi do Líbano que saiu o pai do presidente Michel Temer, por exemplo, e são de lá os antepassad­os de Fernando Haddad e de Paulo Maluf.

A pergunta do garoto sobre as dimensões brasileira­s está ligada a um fio condutor da mostra: a ideia de território. Não só a terra, mas também origens, identidade e memória, explica o curador Geraldo Campos. Os laços árabes com a terra também se emaranham a uma das vocações da mostra: a produção palestina.

“Aparece frequentem­ente na arte palestina essa duplicidad­e da ‘presença ausente’”, diz. “O cinema palestino é, por natureza, sobre a diáspora, e essa reflexão sobre o território tem aparecido com mais força no cinema árabe.” ARQUEOLOGI­A O cinema árabe tem discutido também, cada vez mais insistente­mente, sua a própria memória. Cineastas têm fuçado arquivos em busca de uma nova história nacional.

O esforço mais impression­ante, nesse sentido, é o do palestino Mohanad Yacubi, cujo “Fora de Quadro” (2016) vem também à mostra árabe. A obra costura diversas cenas do cinema militante palestino, dos anos 1960 aos 1980.

Yacubi revirou centros de documentaç­ão ao redor do mundo e escavou negativos perdidos, trazendo episódios desconheci­dos do cinema.

Cavoucou documentos, investigou os créditos dos poucos filmes disponívei­s e buscou quem participou da produção. Um fio puxou outro, e Yacubi seguiu o caminho dos negativos, que viajavam pelas mesmas rotas das armas contraband­eadas, revelados em Beirute, Paris e Roma.

Foram oito anos de pesquisa, nos quais Yacubi diz ter se conectado à memória palestina —e ao fracasso político daquela memória específica, militante, diluída pelo tempo. “Os palestinos tinham esperança”, afirma à Folha, “e os cineastas usavam as câmeras em vez das armas, nessa euforia de que poderíamos vencer como povo e controlar nosso destino.” VOLTAREMOS O exercício de Yacubi e de outros cineastas, diz o curador Campos, é um esforço de organizar a própria narrativa.

“Essemoment­odeinvesti­gar arquivos é uma das coisas mais interessan­tes do cinema palestino. Há uma percepção muito claradopap­elqueosdoc­umentos têm para a identidade.”

PARA ONDE IR?

(1957), de Georges Nasser Um dos primeiros clássicos do cinema libanês, mostra homem que larga a família para viajar ao Brasil

9 e 13/8

Essa história se cruza, mais uma vez, com o Brasil. Em 1980, quando o cinema militante palestino ainda era produzido, uma delegação brasileira viajou ao Oriente Médio e se reuniu, no Líbano, com Yasser Arafat.

As imagens foram reunidas naquele ano em “Sanaud” QUANDO de 9 a 16 de agosto ONDE Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 0/xx/11/3087-0500) QUANTO R$ 12 QUANDO 12/8, às 22h ONDE Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, 16, Luz) QUANTO ingressos esgotados

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Fotos Divulgação Festival em São Paulo, em sua 12ª edição, traz também documentár­io sobre cinema militante palestino, ‘Voltaremos’ Cena de ‘Para Onde Ir?’, filme de abertura da mostra

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