Folha de S.Paulo

Conflito de estilos limita longa sobre personagem clássico

-

Nem por isso “A Viagem de Fanny” abre mão de registros históricos ou de críticas escancarad­as, como ao colaboraci­onismo francês.

À sua sensível maneira, constrói um retrato convincent­e, duro e inquietant­e sobre o drama daquelas e de tantas outras crianças judias no contexto da Segunda Guerra.

DO CRÍTICO DA FOLHA

Tudo começa com uma boa ideia: por que não retomar Pedro Malasartes, o clássico personagem do folclore, o espertalhã­o que vive de passar a perna em quem encontra pela frente, mais até pelo prazer do que pela necessidad­e? Retoma-se o tipo caipira que, no mais, Mazzaropi já havia desenvolvi­do em seu filme de 1960.

Logo de cara, temos em “Malasartes e o Duelo com a Morte” uma situação bem definida: o próprio Pedro (Jesuíta Barbosa), a namorada graciosa (Isis Valverde) e o irmão dela (Milhem Cortaz) ,o furioso, que quer ver Malasartes pelas costas, se possível morto.

Um clichê, é verdade, mas um desses clichês de que o público não se cansa. Então, vamos em frente. Logo de início, providenci­a-se um comparsa para Malasartes, na pessoa de Zé Candinho, o trouxa em quem ele aplica a primeira (e bem simpática) peça que vemos no filme. Apesar disso, eles se tornam amigos.

Tudo está, assim, encaminhad­o. Apesar da fotografia de filme publicitár­io. Mas pode-se pensar que isso empesteia uma parte consideráv­el do cinema comercial brasileiro. O real problema vem da infeliz ideia de dar, ao picaresco herói, um inimigo tão possante quanto a Morte em pessoa (Julio Andrade).

A catástrofe se dá em vários níveis. No de roteiro, limita a ação a um enfrentame­nto tão grandioso que todos os demais não passam de molduras, submetidos a essa batalha. Ainda assim, pode-se imaginar que a batalha seja vencida (pelo filme). Que tal se a Morte fosse tão dada a diabruras quanto Malasartes?

Paulo Morelli não seguiu por esse caminho: criou uma Morte tão grave que o conflito real não é entre os dois personagen­s, mas entre dois estilos. De um lado temos o filme cômico picaresco, do outro o filme de efeitos especiais.

Nessa outra batalha ganham, é claro, os efeitos. É neles, de resto, que a produção joga suas melhores esperanças. Essa opção transforma a Morte numa espécie de clone de magos da escola de Harry Potter, com moradia num barranco que lembra certas passagens de “O Senhor dos Anéis”.

Preso nessa armadilha, “Malasartes” não desenvolve a graça que se poderia esperar do protagonis­ta (e do promissor enfrentame­nto com o irmão da namorada e outras de suas vítimas), nem a magia dos efeitos, nem mesmo o hipotético humor (fosse negro, ou irônico ou sarcástico) da Morte.

O que não impede de constatar que o personagem é tremendame­nte apropriado para o momento brasileiro (e portanto suscetível de atrair bom público), já que é em meio a espertezas de todos os tipos que parecemos existir atualmente. (INÁCIO ARAUJO) DIREÇÃO Paulo Morelli ELENCO Jesuíta Barbosa, Isis Valverde, Milhem Cortaz PRODUÇÃO Brasil, 2017, 12 anos QUANDO estreia nesta quinta (10) AVALIAÇÃO regular

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil