Folha de S.Paulo

Batalha ideológica nos EUA chega às gigantes de tecnologia

Demissão de funcionári­o do Google acusado de sexismo movimenta direita conservado­ra, que afirma que empresa foi intolerant­e

- ISABEL FLECK

Um memorando de dez páginas que levou à demissão de um engenheiro do Google nesta semana expôs como a batalha ideológica que domina a política e as universida­des americanas chegou agora às empresas do Vale do Silício.

James Damore perdeu o emprego depois que escreveu um texto questionan­do o que ele chama de tendência esquerdist­a do Google, enviou para um grupo de colegas e o documento se espalhou pela empresa, vazando também para a imprensa.

Nele, o engenheiro afirma que é preciso “parar de assumir que as diferenças de gênero [no trabalho] são consequênc­ia de sexismo”.

Ele argumenta que preferênci­as e caracterís­ticas inerentes a homens e mulheres podem explicar, em parte, por que homens dominam postos de liderança e na área de tecnologia do Google.

“As mulheres têm, em média, mais abertura a sentimento­s e estética do que a ideias”, escreveu Damore, citando pesquisas.

O texto causou barulho na imprensa americana, e o presidente do Google, Sundar Pichai, disse que Damore foi demitido porque o texto “vai longe demais ao fazer avançar estereótip­os nocivos de gênero” no local de trabalho.

A direita conservado­ra saiu em defesa de Damore, dizendo que o Google foi intoleran- te e não respeitou a liberdade de expressão. O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, ofereceu emprego a Damore.

Mark Perry, especialis­ta do centro de pesquisas conservado­r AEI, destacou dados do governo dos EUA que mostram que a proporção de mulheres graduadas em ciência da computação em 2015 (18% do total) é similar à participaç­ão delas nos empregos de tecnologia do Google (20%).

Para Marie Hicks, autora do livro “Programmed Inequality” (Desigualda­de Programada), não só as pesquisas que Damore menciona são “altamente contestada­s” como ele “ignora décadas de história em campo”.

“Ironicamen­te, muitos dos traços que ele identifica como de alguma forma prejudicia­is à habilidade das mulheres de serem boas engenheira­s de software são, na verdade, traços que todos os bons profission­ais possuem”, diz, citando a capacidade de trabalhar com outras pessoas e de ser mais detalhista.

Ela ainda defende a decisão do Google ao lembrar que uma empresa não tem “as mesmas obrigações que o governo em assegurar o direito à liberdade de expressão”.

O Google, que nesta quinta (10) faria um evento sobre diversidad­e, desistiu do encontro. A justificat­iva foi preocupaçã­o com a segurança dos funcionári­os, depois que sites de direita publicaram o nomes de alguns que tinham proposto perguntas.

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Mike Blake - 7.ago.2017/Reuters Logotipo do Google em prédio da empresa na Califórnia

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