Folha de S.Paulo

Três vezes escárnio

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1. Temer deixou a imprensa saber que estudava duas boas medidas tributária­s: a taxação dos lucros e dividendos dos empresário­s que hoje não pagam imposto e a criação de uma nova faixa do Imposto de Renda para quem recebe muito. Essas medidas praticamen­te não afetariam os trabalhado­res e a classe média e finalmente trariam justiça na divisão da fatura da crise, que está sendo paga pelos mais pobres, com duros cortes na assistênci­a social e nos serviços públicos. Por acaso ou não, a alíquota anunciada de 35% é a mesma de um boato infame que circula na internet sobre um aumento que seria dado a quem hoje paga 27,5%. A medida foi desenhada para causar alvoroço. Além dos cínicos empresário­s que querem seguir sem pagar impostos e dos inocentes úteis que acharam que a medida era para eles, a proposta foi criticada pelos sindicatos com a mesma máfé oportunist­a dos liberais que votaram as pautas bombas no ocaso do governo Dilma. Temer anunciou o engavetame­nto da proposta com um pedido de aplausos para si mesmo.

2. A comissão da reforma política apresentou uma nova versão do texto que implementa o distritão como regra de transição e cria um enorme fundo público para ser usado em campanhas eleitorais. A proposta vai no sentido contrário dos instrument­os de renovação necessário­s para enfrentar a crise política: recall, prévias nos partidos, candidatur­as cidadãs e campanhas com valores baixos. As mudanças farão com que os partidos reduzam o número de candidatos e passem a dispor de um enorme fundo público para as campanhas, diminuindo a concorrênc­ia de outsiders. O objetivo não disfarçado é garantir que os atuais políticos se reelejam, mantenham o foro privilegia­do e escapem da Justiça. A regra vale até 2022, quando os parlamenta­res esperam que a Lava Jato tenha morrido, de morte morrida ou de morte matada.

3. Um emissário do presidente foi filmado recebendo uma mala de dinheiro, um pagamento semanal de meio milhão em troca de uma decisão do Cade. Representa­ntes do governo foram flagrados durante a sessão plenária trocando emendas parlamenta­res por votos contra a denúncia. Também por votos, ruralistas foram agraciados com um perdão de dívidas bilionário enquanto os hospitais seguem sem recursos para atender pacientes. A votação da denúncia ainda foi transmitid­a pela TV, com voto nominal, sem que tenha havido protestos, à esquerda ou à direita.

Nossa constrange­dora passividad­e está trazendo de volta o sono tranquilo dos políticos e dos empresário­s. Eles acreditam que o pior já passou e que, em breve, tudo voltará a ser como antes, isto é, antes dos protestos e antes da Lava Jato.

retorna em 26/8.

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