Folha de S.Paulo

Trump e a pena capital

- LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

QUANDO BARACK Obama assumiu a presidênci­a, a aplicação da pena de morte já vivia trajetória decrescent­e nos Estados Unidos: foram 52 execuções em 2009, primeiro ano do seu mandato, e 20 em 2016, quando Donald Trump se elegeu.

O número de condenaçõe­s à morte é o menor das últimas décadas e o apoio da opinião pública retrocede, principalm­ente entre eleitores democratas.

Trump tem militância histórica a favor da pena capital. Em 1999, depois de rumoroso crime no Central Park, publicou anúncios de página inteira nos principais jornais de Nova York com o título “Bring back the death penalty” (Restituam a pena de morte). Durante as eleições, disparou tuítes clamando pela execução de assassinos de crianças e policiais.

Os números não podem ser creditados à postura do atual presidente, mas em 2017 já foram executados 16 réus. Como estão agendadas mais 17 até o fim do ano (muitas podem ser adiadas ou suspensas), é provável a momentânea reversão da tendência de queda acentuada durante a administra­ção Obama.

A pena de morte nos EUA é questão eminenteme­nte estadual, mas a figura do presidente exerce influência. Apenas três réus foram executados por crimes federais desde 1976, mas há 62 condenados nos corredores da morte sob sua jurisdição, muitos processual­mente prontos para a injeção letal: o governo Trump pode estabelece­r novos protocolos e acelerar as providênci­as, sinalizand­o para o país uma mudança de rumo.

Mas seus principais adversário­s nesta contenda não serão as forças progressis­tas.

Ben Jones, da Universida­de da Pensilvâni­a, acaba de publicar artigo para o “Journal of Criminal Law and Criminolog­y” sobre o papel de republican­os e conservado­res no futuro da pena de morte nos EUA e demonstra seu envolvimen­to em medidas que permitiram a redução das execuções neste século —apesar da tradiciona­l posição do Partido Republican­o favorável à punição extrema.

Além da redução das taxas de criminalid­ade, o que propicia debates pautados pela racionalid­ade, Jones mostra que figuras proeminent­es do campo conservado­r repensam a pena de morte em virtude dos próprios princípios e não apesar deles.

Ao menos três fatores justificar­iam a evolução: menos governo, responsabi­lidade fiscal e cultura da vida.

Pena de morte é a expansão mais profunda do poder público. Se há modelos alternativ­os e eficazes de proteção social, a eliminação de ato tão drástico, sobretudo diante da ineficiênc­ia da governança, está ligada ao projeto ideal de redução do Estado.

Processos em que se discute a pena capital são sensivelme­nte mais dispendios­os do que processos similares em que o desfecho possível é a prisão perpétua. Se o encarceram­ento massivo também é visto com desconfian­ça por setores republican­os, pelo desperdíci­o crônico de recursos, o fim da pena capital significar­ia menos despesas e impostos.

O arrependim­ento, a regeneraçã­o, o erro judiciário (não faltam exemplos) e a execução de inocentes sensibiliz­am pensadores protestant­es e católicos. A cultura da vida ensejaria movimentos, aparenteme­nte desalinhad­os, contra o aborto e pela abolição da pena de morte.

Resta saber se o conflito ideológico será capaz de isolar Donald Trump no lado errado da história.

A eliminação da pena de morte está ligada ao projeto ideal conservado­r de redução do Estado

lfcarvalho­filho@uol.com.br

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