A RETORNADA
a que se retorna sem retorno? O livro se desdobra em três seções que nos propõem uma resposta possível.
Em “Espécies de Contágio”, vemos epígrafes de Heiner Müller, Marina Tsvetáieva, Ghérasim Luca e Agnès Varda, entre outros, desdobradas em poemas que flertam com o ensaio e o contágio da leitura como reescrita, apropriação, incorporação e desvio.
A segunda seção, “O Céu de Vesterbo”, segundo Heloisa Buarque de Hollanda no posfácio, marca um retorno a poemas escritos quando Erber viveu na Dinamarca (págs. 5253); são textos que apresentam um retorno adiado dos espaços e pessoas que atravessam um outro tempo da escrita.
Aqui, em vez de epígrafes, várias dedicatórias; do contágioreceptivodaprimeiraseção, passamos a outro contágio, que aponta para fora do livro, para as pessoas mesmas, as que partilham vida e espaço.
Algo então se afirma na constatação inevitável de que “estive lá” implica “não estou mais lá”, constatação que tem seu auge no poema em memória de Leo Martinelli, com a saudade dos “‘nossos melhores silêncios’” (p. 40), e que termina com os versos “eu gostava muito do seu sorriso/ você dos meus brigadeiros”. Estamos diante do trauma daquilo que, por ter sido, não será mais: o evento incontornável da morte.
Por fim, a seção “A Retornada” tem dois poemas: um, com epígrafe da fotógrafa Alix Cléo Roubaud, se abre com “está acontecendo de novo”, para concluir que “até a desaparição dos contornos e das formas [...] está acontecendo” (pág. 45),revelando que algo se esvai no próprio retorno.
Na última peça do livro, também ela “A Retornada”, poema em oito partes, nos deparamos com uma indução ao coma, o convívio com os cheiros de plástico e pus no hospital e o retorno à consciência (“agora você vai respirar sozinha diga o seu retorno diga o seu nome”, pág. 47).
Num retorno ao início, lemos “dizer a própria morte traz de volta espécies de receio de contágio ao tentar escrevê-la compactuo com ela? convoco-a? desejo-a”.
Porém dizer a própria morte é também diferir-se de si, talvez numa espécie de contágio com o que é alheio. Laura Erber se arrisca nessa linha tênue das experiências afetivas, sem cair no sentimentalismo; esse é seu ponto mais forte: fazer uma poesia que se recusa a ser igual a si mesma. GUILHERME GONTIJO FLORES AUTORA Laura Erber EDITORA Relicário QUANTO R$ 30 (60 págs.) AVALIAÇÃO muito bom