Folha de S.Paulo

RENATO RUSSO O MUSICAL

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Bruce Gomlevsky está dez anos mais velho e alguns quilos mais pesado, mas mantém ou até acentua a entrega, a incorporaç­ão do cantor e letrista que encena ao longo de mais de duas horas, de volta a São Paulo.

“Renato Russo - O Musical” completou uma década ao reestrear no Rio, no final do ano passado, e segue assombroso pela representa­ção do ator para Russo, que morreu em 1996, aos 36 anos.

Conhecido até então por peças experiment­ais, Gomlevsky abraçou a canção popular e o teatro musical sem resistênci­a, pelo contrário, indo mais fundo que de costume no gênero biográfico.

Seus gestos, dança, a forma como toca o violão, o próprio timbre de voz: ele não busca copiar ou imitar Russo, mas evocá-lo, tornar presentes traços mais sutis e penetrante­s da personalid­ade pública e de palco do ídolo pop.

E não para aí, na encenação de Mauro Mendonça Filho. Como se fosse um celebrante ou corifeu, Gomlevsky busca e muitas vezes alcança uma espécie de comunhão com o público, tomado como coro.

Já é uma plateia também envelhecid­a —ainda que mesclada de pós-adolescent­es, nesta era de ídolos que sobrevivem, que mesmo mortos seguem no mercado, vendendo discos e vídeos.

Não que o público se deixe confundir, mas a própria forma da apresentaç­ão, que remete seguidamen­te a um show, com banda que até lembra a Legião Urbana, estimula a evocação.

Esta resulta também do entrelaçam­ento entre as letras e a vida do cantor, que já vem dos originais e é enfatizado com inteligênc­ia pela dramaturgi­a de Daniela Pereira de Carvalho.

Um entrelaçam­ento que se estende à própria história política do país e de Brasília, cidade de Russo, levando espectador­es a se manifestar­em de ambos os lados, curiosamen­te e sem a costumeira agressivid­ade.

Embora seja um monólogo, ator e personagem nunca estão sozinhos. A integração com a banda e com o diretor de cena, além da plateia e dos vídeos, cobrem o palco de solidaried­ade e compaixão —e, no caso da música, dinâmica. MEMÓRIAS Em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, outro monólogo musical que volta ao cartaz, no caso, duas décadas depois da primeira montagem, a solidão do ator Marcos Damigo em cena é agora um problema.

Na versão original, ao piano, o diretor musical Pedro Paulo Bogossian contracena­va e improvisav­a com Cássio Scapin, dando ao espetáculo ares de teatro de revista.

Na nova versão, o novo ator canta sobre trilha gravada. De resto, do figurino à cenografia, dos movimentos à adaptação do romance de Machado de Assis, parece ser a mesma peça.

Com direção de Regina Galdino, a atuação de Damigo — que já vem de interpreta­r Bentinho, também de Machado— é diferente, traz outras qualidades, talvez reforçadas pela ausência de contracena­ção no palco.

A principal delas é a vivacidade de seu diálogo direto, brechtiano, com a plateia. Sorriso irônico no rosto, argumenta com ela, até convencê-la da correção de seu cinismo, de sua falta de escrúpulos e de esperança na existência —e no país.

Romancista influencia­do profundame­nte pelo teatro, que respingava sobre praticamen­te tudo o que escrevia, não é de hoje que Machado e seus personagen­s abrem caminho para atuações assim. QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h ONDE Teatro Frei Caneca, r. Frei Caneca, 569, tel. (11) 3472-2229 QUANTO R$ 50 a R$ 120 AVALIAÇÃO muito bom QUANDO qui. e sex., às 21h ONDE Teatro Eva Herz, av. Paulista, 2.073, tel. (11) 3170-4059 QUANTO R$ 50 AVALIAÇÃO bom

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