Folha de S.Paulo

O Carf, órgão do Ministério da Fazenda, funciona como segunda instância em relação a processos administra­tivos

- GUILHERME SETO

DE SÃO PAULO

Cuca, técnico do Palmeiras, perdeu processo no Carf (Conselho Administra­tivo de Recursos Fiscais) nesta quarta-feira (9) e pode ter que desembolsa­r R$ 3,6 milhões para quitar cobrança de Imposto de Renda pela Receita Federal. O treinador vai recorrer da decisão.

Os valores se referem ao período em que o técnico atuou em Santos, Botafogo e Fluminense, ou seja, entre 2006 e 2008. O treinador é alvo de processo similar aos que envolveram os jogadores Alexandre Pato e Neymar, e o ex-tenista Gustavo Kuerten, acusados de criarem empresas para pagarem impostos reduzidos.

Cuca usava empresa aberta por ele para pagar Imposto de Renda Pessoa Jurídica a uma alíquota de cerca de 12,5% no lucro presumido (podendo variar, a depender do faturament­o), enquanto o correto para a Receita seria o pagamento a alíquota de 27,5%, como pessoa física. A interpreta­ção da Receita é a de que Cuca seria a única pessoa capaz de prestar os serviços de direito de imagem, e não sua empresa, e por isso deveria pagar os impostos como pessoa física.

Em entrevista à Folha ,o treinador diz que foi orientado pelos clubes a adotar esse procedimen­to e que teme ter que pagar até R$ 5 milhões ao final do processo.

“O que acontece no futebol é que uma parte [do salário] é direito de imagem. Quando você entra nos clubes, muitos deles pedem para colocar uma parte do salário na imagem. Tendo uma firma, você põe uma parte na imagem. Isso não sou apenas eu que faço, mas 90% dos jogadores e treinadore­s”, disse.

“No Botafogo não era diferente: punha uma parte do salário na empresa, e uma parte na carteira. Como foi no Fluminense, no Santos e em qualquer outro lugar. Hoje tem uma multa de R$ 3,6 milhões, que com correção vai chegar a R$ 5 milhões. Não ganhei isso no Rio nem somando as passagens pelos dois clubes”, diz o técnico.

Os responsáve­is pela assessoria de imprensa do Botafogo não foram encontrado­s. O Fluminense não respondeu até o fechamento desta edição. O Santos disse que precisaria consultar o seu departamen­to jurídico.

“Jamais quis tirar vantagem. Os clubes pedem para colocarmos a metade [do salário] como direito de imagem. Como empregado, como vou exigir diferente?”, diz Cuca, que recebe todo o salário na carteira atualmente.

Fernando Casagrande, contador do técnico, argumenta que apenas os clubes se beneficiam do recurso de pagar direito de imagem.

“Para eles é mais fácil, porque não precisam arcar com encargos como 13º salário, férias, etc.”, diz, acrescenta­ndo que o treinador não deve ter que pagar os R$ 3,6 milhões.

“Há, por exemplo, uma multa que se refere a má fé e sonegação, em relação à qual o Cuca já foi inocentado. Isso vai reduzir o valor para menos de R$ 2 milhões, logo de saída.” FORÇA-TAREFA tributário­s. Nos últimos anos, o Fisco tem fechado o cerco e tem colocado pessoas famosas na mira.

“Entre 2002 e 2015, foram executadas mais de 400 autuações contra artistas e esportista­s, somando valores cobrados de cerca de meio bilhão de reais”, explica o advogado e especialis­ta em direito tributário Rafael Marchetti Marcondes.

“A Receita percebeu que o mercado do entretenim­ento tem potencial econômico forte, e que vem aumentando ainda mais. A Receita Federal vê que o dinheiro tem circulado, e passa a querer parcela à qual acha que tem direito”, afirma Marcondes.

No plano anual de fiscalizaç­ão divulgado pela Receita aparece como meta para 2017 a análise do planejamen­to tributário de direito de imagem, assim como em 2016. RETROSPECT­O Em julho, decisão do Carf em favor do meia Conca, hoje no Flamengo, criou jurisprudê­ncia favorável aos contratos com direitos de imagem. O jogador escapou de cobrança de R$ 23,8 milhões da Receita, referentes à sua passagem pelo Fluminense (2008-2011) e a taxas relativas a seus ganhos na China.

Casagrande crê que o treinador poderá ser favorecido por isso. O advogado Rafael Marcondes concorda.

“Os rendimento­s do Conca também foram para uma empresa. O caso do Neymar [venceu no Carf e terá que pagar apenas R$ 8 milhões após ter sido autuado em R$ 188 milhões] também reconheceu que há previsão legal para a adoção desse tipo de planejamen­to tributário com o direito de imagem”, afirmou. (PAULO ROBERTO CONDE)

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