Folha de S.Paulo

A volta do João Ferrador

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BRASÍLIA - Nos tempos de sindicalis­ta, Lula gostava de usar uma camiseta com a imagem de João Ferrador. O personagem de cara amarrada ilustrava os quadrinhos da “Tribuna Metalúrgic­a”, distribuíd­a no ABC. Era um símbolo dos trabalhado­res invocados com os patrões e a ditadura militar. Seu bordão dizia tudo: “Hoje eu não tô bom”.

Depois de três derrotas eleitorais, Lula aposentou o mascote na campanha de 2002. Saía o militante raivoso, entrava o “Lulinha paz e amor”. A metamorfos­e deu certo. Ele se aproximou dos empresário­s, seduziu a classe média e chegou ao Planalto.

Às vésperas de outra eleição, o expresiden­te flerta com um retorno ao passado. Na noite de sexta, ele voltou a encarnar o líder radical em ato na UFRJ. Discursou contra a Lava Jato, a imprensa, a elite, o governo e até as manifestaç­ões de junho de 2013, idealizada­s por boa parte da esquerda.

“Nós nos precipitam­os ao achar que 2013 foi uma coisa democrátic­a. Que o povo foi para a rua porque estava muito preocupado com aquele movimento do transporte coletivo”, disse. Na releitura lulista, os protestos foram dirigidos “contra o nosso governo e contra o nosso partido”.

De volta ao papel de vítima, o expresiden­te disse que a Lava Jato “é um partido político”. Depois subiu o tom contra a imprensa e ameaçou retaliar emissoras de TV. “Eles têm que trabalhar muito para não deixar que eu seja candidato. Porque se eu for, vou ganhar e fazer a regulação dos meios de comunicaçã­o”, disse.

Para aliados de cabeça fria, ressuscita­r o João Ferrador é uma ideia fadada ao fracasso. Lula lidera as pesquisas, mas 46% dos eleitores dizem não votar nele de jeito nenhum. O discurso raivoso não parece ser a melhor arma para reduzir essa rejeição.

Na sexta, Lula disse que lutou para “tirar o Rio de Janeiro das páginas policiais”. Faltou explicar seu apoio às duas eleições de Sérgio Cabral, condenado e preso por corrupção.

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