Folha de S.Paulo

Maquiagem e equívocos

-

BRASÍLIA - O presidente Michel Temer teve significat­ivo apoio da Câmara para se livrar da denúncia por corrupção e agora pagará alta fatura para aprovar medidas que o ajudem a terminar o mandato com certa dignidade econômica —sendo que a política tornou-se irrecuperá­vel.

Votar aumento de imposto em ano pré-eleitoral? Se depender dos deputados, nem pensar. E é missão árdua achar alguém no Congresso que aposte na aprovação da reforma da Previdênci­a por completo. Já tem ministro admitindo que, mesmo que a proposta não avance como quer o Planalto, vale manter para o mercado o discurso em sua defesa. A intenção em mexer na aposentado­ria já ajudaria no cenário pós-2018.

Em julho do ano passado, Temer engatinhav­a com dois meses de interinida­de quando anunciou a proposta de meta fiscal para 2017 de um deficit de R$ 139 bilhões. O rombo anunciado na ocasião fora uma vitória do ministro Henrique Meirelles (Fazenda), que venceu a queda de braço com a ala política, defensora de uma margem bem maior.

Pouco mais de um ano se passou. O governo pretende divulgar hoje uma revisão da meta. Os R$ 139 bilhões podem virar até R$ 159 bilhões, segundo projeções oficiais. A estimativa para 2018 também deve ficar em torno desse valor —talvez em um patamar menor, de qualquer modo acima dos R$ 129 bilhões previstos.

Ao mesmo tempo, o Planalto prepara medidas para elevar receitas e cortar gastos. Prevê congelar salários de servidores e reduzir os de novos concursado­s. Trabalha pela reviravolt­a na proposta do novo Refis, desconfigu­rada pelos deputados.

As contas fazem sentido, embora sejam virtuais, em cima de cortes no longo prazo e de receita que não tem 100% de garantia. Se o anúncio das medidas se confirmar hoje, assistirem­os a projeções que lá na frente têm chances de emperrarem, serem alteradas ou se mostrarem inócuas. Assistirem­os a mais um espetáculo de maquiagem, fruto de equívocos.

Doria, novo flerte de Temer, faz aposta arriscada ao correr o país como pré-candidato a presidente —o que o obriga a conciliar a Prefeitura de São Paulo com sua nova obsessão.

Como não tem experiênci­a na máquina pública e seu verniz de bom gestor descascou às primeiras lufadas de realidade, pôr um pé em outra canoa pode lhe custar caro. Se apostava num êxito à frente da maior cidade do país como cartão de visitas, ao não mostrar resultado e passar a impressão de que só pensa em outra coisa, que trunfo terá numa eventual disputa?

O Brasil, Doria começa a notar, é muito maior que São Paulo. Serra e Alckmin o aprenderam a duras penas nas derrotas de 2002, 2006 e 2010.

A ovada em Salvador foi um sinal. Mesmo com o atenuante de que trata-se de um protesto secular, menos grave que os deplorávei­s escrachos que viraram moda por aqui, tacar ovo só contribui para agastar ainda mais um país em nervos.

Mas não custa lembrar que o prefeito, cuja compulsão anti-Lula beira a demência, é um dos responsáve­is pela retórica belicista que marca essa quadra histérica e mal-educada da nossa história. Folha

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil