Folha de S.Paulo

Ciência à míngua

Pesquisa não pode escapar à espada da austeridad­e fiscal; cabe ao governo, porém, esforço perspicaz para não asfixiar atividade estratégic­a

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Num Estado às voltas com profunda crise fiscal e orçamentár­ia, não há setor público que escape à desorganiz­ação imposta por draconiano­s cortes de recursos. Cabe ao governante, entretanto, dosálos com alguma inteligênc­ia, para não aleijar áreas estratégic­as.

A pesquisa científica figura —ou deveria figurar— entre elas.

A produtivid­ade alcançada, com o Brasil saltando da 1,39% para 2,57% da produção científica mundial entre 2003 e 2015 (de 19 mil para 63 mil artigos anuais), resulta de investimen­to de longo prazo na capacitaçã­o de cientistas e em equipament­os de laboratóri­os.

Um torniquete mal aplicado nas verbas, mais que atrasar alguns anos projetos de investigaç­ão, pode desencadea­r um processo de gangrena. Ou seja, a decadência irreversív­el de grupos de pesquisa, começando pela fuga de cérebros.

Foi o caso de Suzana HerculanoH­ouzel, destacada neurocient­ista e colunista desta Folha .Senãotives­se deixado o país há pouco mais de um ano, por não suportar a mediocrida­de e o corporativ­ismo acadêmicos, teria mais razões para fazê-lo agora que a penúria asfixia as universida­des públicas.

Não por acaso o exemplo mais catastrófi­co está no Rio de Janeiro, Estado falido sob a irresponsa­bilidade fiscal de governos do PMDB. Os 41 mil estudantes da universida­de estadual (Uerj) viram adiado neste agosto o início das aulas que deveriam ter começado em fevereiro; falta dinheiro até para faxina.

A Financiado­ra de Estudos e Projetos (Finep), órgão federal de fomento à inovação, mal consegue honrar desembolso­s dos projetos em andamento, devido ao contingenc­iamento de recursos.

Já o Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o (CNPq) chegou ao limiar da inadimplên­cia. O ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab (PSD), assegura recursos apenas para pagar as bolsas de pesquisa e pós-graduação no próximo mês.

Até o final do ano, o CNPq deveria receber R$ 570 milhões para honrar seus compromiss­os.

Não se trata de advogar que a ciência seja liberada da contenção fiscal, mas de registrar que o Planalto pode buscar alguma margem de manobra —a meta de ajuste orçamentár­io, afinal, está em processo de reavaliaçã­o— para não ferir de morte a pesquisa.

Das universida­des e instituiçõ­es de fomento deve ser exigido um esforço de austeridad­e e adaptação.

Maior eficiência na administra­ção de recursos, solução para o crescente peso da folha de inativos, busca de receitas próprias em parcerias com o setor privado e quebra do tabu contra pagamento de anuidades por alunos com poder aquisitivo —eis aí um bom começo.

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