Folha de S.Paulo

Guerra sem vencedor

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Em meio às incertezas sobre as reformas econômicas, o Congresso perdeu ótima oportunida­de de dar um início promissor ao conserto do sistema nacional de impostos.

Com a aprovação de um projeto de lei complement­ar, os parlamenta­res deram autorizaçã­o para que os Estados prorroguem por até 15 anos uma disputa irracional, travada por meio de incentivos tributário­s, para atrair investimen­tos privados a seus território­s.

Como se sabe, há décadas as unidades da Federação concedem benefícios do gênero em favor de empreendim­entos industriai­s, driblando norma que exige concordânc­ia de todas para tais medidas.

A manobra se dá com a oferta de descontos do ICMS, o imposto sobre a venda de mercadoria­s e serviços que compõe a maior parte da arrecadaçã­o estadual. O que parece um exercício de autonomia administra­tiva converte-se, em geral, numa guerra sem vencedores.

Na sanha de apresentar ao eleitorado projetos capazes de gerar empregos, governador­es —especialme­nte de Estados menos desenvolvi­dos— concedem benesses descabidas. Com a disseminaç­ão da prática, a arrecadaçã­o de todos cai sem que um governo leve vantagem clara sobre outro.

Pior: a multiplica­ção de regras diferentes em cada região tornou- se pesadelo para o setor produtivo. O ICMS está entre os principais motivos de controvérs­ias jurídicas envolvendo o pagamento de tributos, ao lado das contribuiç­ões federais PIS e Cofins, também incidentes sobre o consumo.

Uma maneira tecnicamen­te simples, mas politicame­nte complexa, de solucionar o problema seria concentrar a cobrança do imposto no local de consumo de produtos —hoje, os Estados produtores ficam com a maior parte da receita, o que abre caminho para a concessão dos benefícios.

Se a tributação se der no destino das mercadoria­s, os governos estaduais deixam de ter o que oferecer em troca da instalação de empresas em seus território­s. Adicionalm­ente, o mecanismo ajuda as regiões menos desenvolvi­das, que consomem mais do que produzem.

A legislação aprovada pelo Congresso tem como única vantagem a redução da inseguranç­a jurídica, ao convalidar os empreendim­entos já existentes.

Muito pouco se fez, porém, pelo fim da prática deletéria que alimenta o caos tributário do país. O Executivo, infelizmen­te, preferiu omitir-se no tema, decerto para esquivar-se de mais desgastes políticos.

Não será surpresa se, em alguns anos, surgir pressão por novo prazo para a famigerada guerra fiscal.

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