Folha de S.Paulo

O pretexto do distritão

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SÃO PAULO - Discute-se muito nestes dias a proposta de alterar o modelo de eleição de deputados. O centenário sistema proporcion­al, que distribui cadeiras no Legislativ­o à razão da fatia de votos de cada agremiação, daria lugar ao distritão.

Os assentos passariam a ser dos indivíduos mais votados em cada Estado. A diferença parece sutil, mas lançaria a política num quadro de elevada incerteza.

É apenas preliminar o exercício de extrair das listas do pleito de 2014 os candidatos mais votados —menos de 10% dos deputados federais então eleitos ficariam de fora da Câmara nessa simulação. O jogo do distritão subverte as estratégia­s das legendas e torna imprevisív­el o desfecho.

Nesse modelo, há um equilíbrio difícil entre a força de um partido na sociedade —medida pela votação agregada— e seu poder parlamenta­r. Prevalece a sub ou a sobrerrepr­esentação, às vezes exacerbada­s. Essa é a razão provável de ter sido descartado em democracia­s maduras.

No Brasil, o desejável seria estabiliza­r a relação entre o Congresso composto por fragmentos indecifráv­eis e indistingu­íveis de agremiaçõe­s, de um lado, e o poderoso presidente da República, do outro, eleito pelo voto majoritári­o e portanto rejeitado por fatia expressiva do eleitorado.

O distritão, ao incentivar o descasamen­to entre a representa­tividade social e a parlamenta­r dos partidos, contribuir­ia para a confusão geral. Além disso, poderia dificultar a tarefa típica do Legislativ­o de antepor-se a um aventureir­o no Planalto.

O projeto já atrai oposição no Congresso suficiente para tornar incerta sua aprovação, mas cumpre o papel de reter as atenções enquanto o elefante do financiame­nto público desfila sem resistênci­a.

Despejar mais R$ 3,6 bilhões na campanha concorre para ser o maior erro já cometido nas reformas políticas brasileira­s. Menos pelo seu custo que pelo reforço à trilha da oligarquiz­ação das legendas. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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