Folha de S.Paulo

O normal do Brasil é isso?

- CELSO ROCHA DE BARROS

EM ENTREVISTA a esta Folha na última terça-feira, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga declarou que teme que o período dos governos FHC e Lula-1 tenham sido excepciona­lmente bons, e que o “normal” do Brasil seja esta bagunça que vemos hoje. O que Samuel Pessôa chama de período “Malocci” (Malan + Palocci) teria sido só um intervalo de lucidez, que passou. Não é uma tese absurda. FHC venceu em 1994 com um programa de modernizaç­ão econômica, no primeiro turno. Mas foi uma eleição claramente excepciona­l: o que precisava ser feito para restaurar o equilíbrio macroeconô­mico (derrotar a hiperinfla­ção) era popular. Era, aliás, exatamente o que precisava ser feito para combater a pobreza e a desigualda­de.

Lula redistribu­iu renda e manteve a gestão econômica responsáve­l, mas foi beneficiad­o por um cenário externo favorável e pela existência de “frutos no galho baixo” na política social: políticas baratas, eficazes e populares que ainda não haviam sido implementa­das.

Durante o governo Dilma já não havia nada disso. O equilíbrio econômico agora dependia de cortes de gastos impopulare­s. O cenário externo não era mais favorável. E as políticas sociais restantes eram mais caras e de implementa­ção mais complexa do que o pacote do governo Lula. Dilma tentou encontrar uma saída sem ajuste fiscal, sem fazer nada impopular, e o resultado foi aquela beleza que todos vimos.

E houve a gambiarra do impeachmen­t, que está fazendo reformas sem as concessões que uma vitória eleitoral exigiria.

Isto é, ainda não conseguimo­s montar um arranjo que concilie as demandas eleitorais de um país desigual com reformas que favoreceri­am o cresciment­o econômico. Seria essa incapacida­de endêmica, seria ela nosso “normal”? Acho que não. A crise atual não é “normal” coisa nenhuma. As coisas estão desabando, e estamos claramente em transição para alguma coisa.

Há quem defenda que mudemos a política brasileira para reduzir as chances de participaç­ão política que existiram até agora. A proposta de parlamenta­rismo, tal como apresentad­a agora, é uma tentativa muito mal disfarçada de aumentar o poder da parte do sistema político que a esquerda nunca conseguiu ganhar. O risco de populismo, ou de qualquer coisa de esquerda que se queira chamar assim, seria evitado pela redução da pressão popular sobre o poder político.

Mas antes de aceitar que temos que escolher entre isso e populismo, talvez seja o caso de devolver a questão a Armínio Fraga: o que os economista­s podem nos oferecer como saída que tenha chance de ser aprovado nas urnas? Garanto que não é só a esquerda que quer saber.

A resposta tem que ser dada falando para o seguinte indivíduo: um (a) brasileiro pobre, com pouca qualificaç­ão profission­al e (por ter pouca qualificaç­ão) pouco poder de barganha em negociaçõe­s trabalhist­as. Se ele ceder na reforma trabalhist­a, se ele aceitar trabalhar mais dez anos antes de se aposentar, em quanto o cresciment­o brasileiro será maior, e o quanto desse cresciment­o vai para o bolso dele? Afinal, não há a menor garantia de que o padrão dos anos 2000, em que o cresciment­o foi pró-pobre, seja o nosso normal.

Não há João Santana neste mundo que seja capaz de derrubar quem tiver uma resposta para isso em 2018.

O que os economista­s podem nos oferecer como saída que tenha chance de ser aprovado nas urnas?

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