Muitos desses instantes e personagens serão recuperados no Memorial em vídeos,
DE SÃO PAULO
Um casarão no centro de São Paulo onde ocorriam julgamentos políticos na ditadura militar (1964-1985) deve dar lugar, até 2019, a um Memorial da Luta pela Justiça.
Iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo e do Núcleo de Preservação da Memória Política, o espaço vai celebrar a democracia e a advocacia.
No local funcionaram as auditorias militares, “varas criminais” com um juiz civil e quatro nomeados pelo regime. Com o Doi-Codi e o Dops, eles compunham a estrutura judiciária da repressão.
“Os acusados eram levados ao Doi-Codi e ao Dops, onde eram torturados em busca de informações. Quem sobrevivesse era julgado nas auditorias”, diz Marcos da Costa, 53, presidente da OAB-SP.
O memorial vai resgatar as atuações de profissionais que denunciaram crimes dos militares e salvaram vidas.
Afinal, as petições e os discursos notificavam desaparecimentos, obrigando o Estado a admitir que pessoas haviam sido detidas.
“Muitos homens e mulheres corajosos dedicavam suas sustentações orais para narrar os horrores que as pessoas estavam sofrendo”, afirma o advogado Belisário dos Santos Jr., 69.
Ele recorda vitórias marcantes, como a soltura de Altino Rodrigues Dantas Jr., acusado de pertencer à Ação Popular, e a rendição negociada de Monir Tahan Sab, da ALN, ferido de morte ao tentar roubar um carro.
Hoje à frente da iniciativa, Maurice Politi, 67, diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política, foi julgado no casarão após dois anos preso e torturado. “Havia absolvidos, mas era uma minoria.”
Outros casos marcantes da ditadura tiveram o local como palco. Um exemplo é o julgamento do ex-presidente Lula, em 1981, acusado de liderar greves dos metalúrgicos.
“Comecei a advogar naquele prédio, logo depois do AI-5. Defendi mais de 500 perseguidos políticos”, lembra o advogado do caso, José Carlos Dias, 78.
Na defesa do jornalista Rodolfo Konder (1938-2014) em 1976, Dias foi o responsável pela primeira denúncia de que os militares haviam matado Vladimir Herzog (19371975), também jornalista.
“Konder esteve preso junto com o Herzog, testemunhou a execução e me relatou o que viu. Eu li esse depoimento na auditoria”, afirma. PROJETO sons e documentos.
Uma reforma prevista para durar 20 meses, ao custo de R$ 7,9 milhões, já em captação pela Lei Rouanet, vai restaurar e ampliar o prédio, que ganhará um anexo com auditório para cem pessoas.
O corredor de entrada, por onde detentos eram arrastados até uma prisão nos fundos, será reconstituído e ganhará projeções de nomes dos presos.
Uma “sala dos testemunhos” vai apresentar depoimentos de advogados que atuaram no prédio.
Outro ambiente reunirá documentos e gravações de audiências secretas de quase 700 processos políticos, obtidos junto ao Superior Tribunal Militar. O local terá ainda uma reprodução das celas onde acusados aguardavam suas sentenças, e espaços para exposições.
“Será um lugar para jovens e crianças entenderem a história de nosso país”, diz o presidente da OAB-SP.