Folha de S.Paulo

No Brasil, projetos tramitam com objetivos opostos

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Mas exploram seu trabalho por meio de violência.

Se você olhar para qualquer mercado de trabalho informal, como alguns trabalhos domésticos, vai encontrar figuras abusivas que se valem da informalid­ade para isso. Ficam com grande percentual do que vocês recebem, não?

Como acontece com donos de bares, de lojas etc. Os trabalhado­res sexuais são capazes de fazer acordos tanto quanto qualquer outro profission­al. Só porque estamos vendendo sexo não quer dizer necessaria­mente que é uma relação opressora. A saída é legalizar ou descrimina­lizar esta atividade?

Legalizar muitas vezes é só uma nova forma de controle. Criam leis especiais para o trabalho sexual, como se ele fosse especial. É o caso da Holanda, onde é proibido trabalhar nas ruas, o que criou trabalho sexual ilegal mesmo num modelo legalizado.

O melhor arranjo é a descrimina­lização, porque usa as leis que valem para outros trabalhado­res, tratando-nos de forma igualitári­a.

Alguém vai dizer: “Mas e o estupro? E o sequestro? E o trabalho escravo? E o tráfico internacio­nal?”. Isso tudo já é proibido por outras leis.

Alguém que estupra um trabalhado­r sexual é um estuprador, não um cliente, e precisa ser responsabi­lizado como tal. A única coisa natural no nosso ramo é fazer sexo de maneira negociada. Violência não faz parte do pacote. Onde esta atividade foi descrimina­lizada?

Nova Zelândia e New South Whales, na Austrália. O sistema ainda não é perfeito, mas a indústria do sexo não cresceu porque deixou de ser criminaliz­ada. Como funciona o modelo sueco, no qual se inspirou um projeto de lei brasileiro?

Ele é baseado na concepção de feministas radicais de que todo trabalho sexual é coercivo e violento contra a mulher.

Nega que uma mulher possa voluntaria­mente fazer sexo por dinheiro. Não criminaliz­a o trabalho sexual, mas quem compra o serviço e quem o facilita. Ou seja, inviabiliz­a a atividade. O objetivo é acabar com esse tipo de trabalho, e tem se espalhado como praga: Noruega, Finlândia, Irlanda do Norte, França e Canadá.

Ele parece inocente, mas não existe nada mais desmobiliz­ador do que carimbar uma categoria como vítima. Somos estereotip­adas e o estigma social nos torna menos humanas. Isso nos expõe à violência. Quais as consequênc­ias dele?

Na Suécia, onde há pouca violência, houve vilas em que trabalhado­ras sexuais foram linchadas. E houve a primeira morte de uma imigrante trabalhado­ra sexual.

DE SÃO PAULO

Dois projetos de lei que tramitam atualmente na Câmara dos Deputados dispõem sobre arranjos antagônico­s no que diz respeito ao trabalho sexual no Brasil.

O mais antigo, PL 377/ 11, do deputado João Campos (PSDB-GO), conhecido pelo projeto da “cura gay”, propõe que passe a ser crime a contrataçã­o de serviços sexuais, ou seja, criminaliz­a os clientes de trabalhado­res sexuais e é declaradam­ente inspirado no modelo sueco.

O segundo, criado pela Rede Brasileira de Prostituta­s e apresentad­o pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), propõe a descrimina­lização do comércio de sexo por terceiros e das casas de prostituiç­ão.

Estabelece até mesmo um teto para o percentual do faturament­o do trabalhado­r sexual que poderia ser retido pelo facilitado­r ou dono de agência para evitar exploração.

Atualmente, é crime facilitar ou manter estabeleci­mento onde este comércio ocorra. “Na prática, a norma criminaliz­a a profissão indiretame­nte. É um paradoxo porque as prostituta­s existem e a falta de reconhecim­ento desta atividade é que torna seu exercício perigoso.”

Quem afirma isso é a professora de antropolog­ia da UFF (Universida­de Federal Fluminense) Ana Paula Silva, 38, pesquisado­ra do Observatór­io da Prostituiç­ão e presidente do coletivo Davida.

Para ela, o contexto político atual favorece a aprovação da proposta baseada no modelo sueco. “Ao criminaliz­ar o cliente, o projeto pretende acabar com a prostituiç­ão. Mas ele não tira as pessoas da profissão, apenas as torna mais marginaliz­adas”, avalia.

Segundo ela, o tema divide as várias correntes feministas. “Há feministas que têm um projeto conservado­r de controle e repressão contra outras mulheres. Os homens que são trabalhado­res sexuais nunca aparecem nos debates. O problema parece ser o protagonis­mo da mulher sobre a sua sexualidad­e.” (FM)

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