Folha de S.Paulo

Distritão, inimigo da ciência e da sociedade

- RONALDO LEMOS

DÁ PARA concordar que, quanto mais pluralidad­e nas profissões dos deputados e senadores que integram o Congresso Nacional, maior será sua representa­tividade.

Todos nós gostaríamo­s de ver mais professore­s, engenheiro­s, enfermeiro­s, cientistas e outros profission­ais da sociedade em Brasília. O caso da ciência é especialme­nte importante. Sua representa­tividade política hoje é praticamen­te nula.

Isso passa a infeliz ideia de que ciência e tecnologia não têm nenhuma importânci­a, podendo viver muito bem sem nenhuma voz. Essa ideia é equivocada por vários motivos.

Primeiro porque no mundo de hoje nenhum país conseguirá se desenvolve­r sem colocar ciência e tecnologia no rol de prioridade­s.

Segundo porque cientistas, diferentem­ente de políticos profission­ais, são especialis­tas em estabelece­r a verdade (graças ao método científico). Mercadoria que anda em falta no mundo e na política brasileira.

Há várias ações em curso para tentar melhorar a representa­tividade da ciência na política. Nos Estados Unidos, foi lançado o movimento da sociedade civil chamado “314 Action”, que tem por missão apoiar e eleger cientistas para o Congresso, Assembleia­s Estaduais e Câmaras Municipais daquele país. Seu objetivo é “defender agressivam­ente uma agenda em favor da ciência, da tecnologia, da engenharia e da matemática”.

Já no Brasil, a reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), ocorrida há algumas semanas, discutiu ideias como a criação de um partido para representa­r a ciência no país, ou, ainda, estratégia­s para que todo partido possa ter um número mínimo de cientistas candidatos. Afinal, qualquer país se beneficia ao ter a ciência representa­da.

Todas essas ideias são interessan­tes. Só que nenhuma terá nenhum efeito se o Brasil aprovar o chamado distritão como sistema eleitoral. O distritão é, por excelência, o inimigo de todo e qualquer candidato que venha da sociedade. Ele privilegia apenas políticos profission­ais que controlam currais eleitorais ou celebridad­es, únicos capazes de angariar sozinhos volumes avassalado­res de votos. disputa de popularida­de, e não de representa­tividade. Nenhum profission­al oriundo da sociedade, incluindo cientistas, terá chance nesse sistema.

Se o Brasil depende de múltiplas capacidade­s para construir um novo modelo de desenvolvi­mento, o distritão corta tudo pela raiz. Ele privilegia um governo de manipulado­res, afastando ainda mais o Estado da sociedade.

Como diz uma antiga frase da política norte-americana: “Se você não tem lugar à mesa, é porque será servido de jantar”.

O distritão torna a mesa da política brasileira inacessíve­l. E, por consequênc­ia, transforma a sociedade em jantar.

O distritão privilegia apenas políticos profission­ais que controlam currais eleitorais ou celebridad­es

RONALDO LEMOS

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