Folha de S.Paulo

Rio enfrenta aumento de moradores de rua

Afetado por crise regional e nacional, município chegou a contabiliz­ar alta de 78% de sem-teto no começo do ano

- SÉRGIO RANGEL

Calçada do centro virou abrigo para 98; vítimas incluem de motorista recém-desemprega­do a casal com bebê no colo

O motorista Adilson Quintão Filho, 43, chegou ao Rio em junho para trabalhar. Por 30 dias, dirigiu um ônibus que fazia ponto final na Rocinha, uma das maiores favelas da cidade. No mês passado, perdeu o emprego. Seu patrão alegou corte de despesas por causa da crise.

O mineiro não desistiu do Rio. Pegou os R$ 1.000 da rescisão, reservou um quarto de hotel no centro por 20 dias e ficou procurando emprego. Na segunda (7), o dinheiro acabou. Pai de duas meninas em Vitória (ES), dormiu pela primeira vez na rua.

No dia seguinte, foi até o largo da Carioca, pediu ajuda a funcionári­os municipais, foi levado para almoçar num centro de acolhiment­o e cadastrado oficialmen­te como mais um morador de rua no Rio.

“Estou sem nada, mas não vou desistir. Espero que os profission­ais daqui me coloquem novamente para traba- lhar. Não vou voltar para casa de mãos abanando. Quero vencer e trazer minha família pra cá”, disse Quintão Filho, que dirigiu caminhão pelo país por mais de uma década.

No último levantamen­to, a Prefeitura do Rio, sob gestão Marcelo Crivella (PRB), havia contabiliz­ado 8.529 pessoas em situação de rua nos primeiros quatro meses do ano.

A tendência é de alta: só em janeiro, foram registrado­s 1.031, 78% mais que os 580 do mesmo período de 2016.

No último balanço anual, de 2016, quando houve Jogos Olímpicos no Rio, foram contabiliz­ados 14.279 —número que deve crescer neste ano, segundo técnicos da Secretaria Municipal de Assistênci­a Social e Direitos Humanos.

As crises no Estado, na cidade e na economia nacional são apontadas como hipóteses do fenômeno —tanto pela alta do desemprego como pela queda de serviços públicos.

Alguns pontos do centro e da zona sul se transforma­m em dormitório­s para dezenas de moradores de rua. Com várias câmeras registrand­o a movimentaç­ão, a calçada em frente ao prédio da Defensoria Pública do Rio abrigou 98 pessoas na noite de terça (8).

“Aqui nos sentimos seguros. A chance de acontecer uma covardia é bem menor. Por isso, tanta gente passa a noite aqui”, disse o camelô Fabiano da Silva Alves, 36, que esperava na fila para receber um prato de macarrão doado por um grupo de moradores das redondezas.

Segundo a prefeitura, o centro é a região que mais concentra moradores de rua —um terço dorme por ali. BEBÊ NA RUA O camelô e sua mulher chamavam a atenção na fila da refeição. Ele apresentav­a a sua filha de apenas 40 dias para as mulheres que faziam as doações. “As drogas me jogaram na rua. Perdi tudo. Essa menina está me ajudando a encontrar o meu caminho. Desde que ela nasceu, estou limpo. Quero ver se arrumamos uma casinha”, disse Alves, que ganha cerca de R$ 40 vendendo guarda-chuvas no largo da Carioca.

A mulher dele, que se identifico­u apenas como “Chinesa”, recebe R$ 100 por semana entregando folhetos com anúncios de lojas de “compra e venda de joias” no centro.

O casal conta que passou por vários programas de assistênci­a da prefeitura e do governo federal para moradores em situação de rua, mas não consegue ter disciplina para seguir. Durante a gravidez, Chinesa se recusou a ir para uma casa de acolhida bancada pela prefeitura.

Responsáve­is pelos dois grupos de ajuda ouvidos pela Folha afirmam que o número de moradores de rua no Rio cresceu desde o final dos Jogos Olímpicos. Eles creditam o aumento dessa população à crise econômica.

“Basta dar uma olhada aqui. Nunca vi tanta gente. Há cinco anos, quando começamos, fazíamos 80 pratos. Hoje, deixamos prontas 300 refeições e deve faltar”, disse o empresário João Luiz Amâncio, 36, um dos coordenado­res do Rio sem Fome, grupo formado por amigos do bairro da Lapa. Além de comida, eles doam roupas no centro uma vez por semana.

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Ricardo Borges/Folhapress Mulher segura a filha de menos de dois meses, que tem dormido na rua no centro do Rio

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