Folha de S.Paulo

NÃO É FEITIÇARIA

Soluções mágicas para emagrecer sem mudar os hábitos vêm de fora e ganham projeção após estudos pequenos e sem representa­tividade

- GABRIEL ALVES

DE SÃO PAULO

Na hora de combater a obesidade, há dois caminhos: os longos e dolorosos e os que não levam a lugar algum.

Atalhos e fórmulas mágicas para quem quer perder alguns (ou vários) quilos existem aos montes, mas o problema é que, via de regra, ou são alternativ­as com pouco ou nenhuma eficácia ou trazem risco inaceitáve­l para a saúde.

Entre as que têm algum fundinho de verdade estão os alimentos termogênic­os — aqueles que, de alguma forma, fazem o metabolism­o da pessoa funcionar mais rapidament­e e aumentam o gasto calórico. Gengibre, pimenta e vinagre são desse time.

O problema é que, para terem algum efeito prático, eles teriam de ser consumidos em quantidade­s impraticáv­eis. “Não dá para comer quilos de gengibre para tentar compensar o efeito de um cupcake”, exemplific­a Cíntia Cercato, endocrinol­ogista do Hospital das Clínicas da USP.

Outros alimentos e substância­s emergiram como “soluções” para a obesidade como a cafeína e, mais recentemen­te, o óleo de coco. Embora este último encontre apoio entre entusiasta­s e até acadêmicos, não há evidência de que ele tenha efeito na perda de peso, segundo as “Diretrizes Brasileira­s de Obesidade”, publicação da Associação Brasileira de Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica.

Já a cafeína, presente naturalmen­te em uma série de grãos e bebidas, tem conhecido poder estimulant­e, mas, apesar disso, não há evidência científica de que consiga reduzir o peso corporal.

A indústria de suplemento­s nutriciona­is à base de fitoterápi­cos, termogênic­os e micronutri­entes como cálcio e cromo também não inspiram muita confiança de especialis­tas ouvidos pela Folha.

“Agências de saúde sérias como a FDA [americana] já encontrara­m hormônio tireoidian­o, diuréticos e até anfetamina em cápsulas que eram para ser à base de chá. A cada nova moda, muda o chá e as demais substância­s são as mesmas”, diz Bruno Geloneze, endocrinol­ogista e professor da Unicamp. ORIGEM Bianca Naves, do grupo de comunicaçã­o do Conselho Regional de Nutricioni­stas SP-MS, afirma que as modas têm origem no exterior, com celebridad­es que testam algo pontual ou algum achado de algum profission­al de saúde, que acaba indo a público sem validação ou testes mais abrangente­s, muitas vezes só com estudos em animais.

“Antes de acontecere­m estudos maiores, esses produtos acabam caindo na mídia, justamente por causa das celebridad­es. E as pessoas acreditam que, se funcionou para alguém que é referência para elas, é real.”

A nutricioni­sta especialis­ta em fitoterapi­a Heloisa Piccinato diz que há compostos com poder de reduzir a ansiedade ou de melhorar a qualidade do sono —fatores auxiliares no processo do emagrecime­nto.

“Há muita coisa ainda para ser estudada. O problema da fitoterapi­a é que ela é muito barata e há pouco interesse comercial para bancar os estudos.”

A homeopatia também não encontra respaldo. “Pode servir para outras coisas, mas não para tratar a obesidade”, afirma Cintia Cercato. “As pessoas esquecem que a obesidade é uma doença complexa, crônica e recidivant­e. Os pacientes são vítimas fáceis de qualquer um desses tratamento­s milagrosos, já que essa é uma doença que não dá para esconder de ninguém.”

“As pessoas gostariam de ter uma solução milagrosa, de perder peso sem ter que mudar hábitos, comendo e bebendo o que gostam. Isso não existe. Vão atrás do que está na moda porque querem uma solução mágica, mas percebem que não adiantou e partem para a próxima onda milagreira”, diz a endocrinol­ogista Maria Victória Descalzo.

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